terça-feira, 3 de abril de 2018

Papas. Imperadores e Hereges na Idade Média. José D’Assunção Barros. « As ideias de nomear este período limítrofe como Antiguidade Tardia ou Idade Média Primitiva, caminham juntas…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Novas leituras: cultura, psicologia, mentalidade, vida quotidiana
«(…) Sugerindo uma periodização diferenciada, Henri Marrou (1980) propõe-se a examinar o período que envolve a passagem da Antiguidade à Medievalidade considerando questões também ligadas à psicologia e à cultura, mostrando-se particularmente atento aos desenvolvimentos estéticos como sinais importantes para a compreensão das singularidades de um período no qual, além das transformações, as permanências não devem ser esquecidas como importantes elos que conduzem a história. A sua organização cronológica delineia um período entre os séculos III e VI, para o qual a fusão da cultura pagã com os valores cristãos adquire um destaque particularmente significativo, ao lado da afirmação de novas concepções religiosas e estéticas. Ao mesmo tempo, ao encaminhar uma análise que considera as inovações, mas também está atenta para as permanências, Marrou é um historiador importante no que se refere à utilização de um novo conceito na periodização da história da civilização ocidental: o de Antiguidade Tardia, conceito na verdade proveniente da historiografia alemã das décadas de 1910 e 1920, mas que é aqui retomado com especial expressividade.
Outros autores reinvestiriam neste conceito, permitindo-se variar os limites inicial e final deste período que passaria a ser reivindicado como território historiográfico tanto pelos historiadores da Antiguidade como pelos historiadores da Idade Média. As ideias de nomear este período limítrofe como Antiguidade Tardia ou Idade Média Primitiva, caminham juntas, ambas com direito a legitimidade no universo das possibilidades historiográficas. Conforme se olhe para o período com vistas à compreensão dos desenvolvimentos terminais da Antiguidade, ou com vistas à compreensão dos novos processos que mais tarde se consolidariam como tipicamente medievais, teríamos uma possibilidade ou outra. O período limítrofe, aqui considerado, pode se apresentar como disputa de território entre historiadores da Antiguidade e da Idade Média, mas também pode apresentar-se como espaço de diálogo, como lugar onde nativistas e medievalistas se encontram para intercambiar as suas ideias e experiências. De todo o modo, a tendência da historiografia a partir do século XX, conforme se vê, foi a de permitir múltiplas leituras do fenómeno da passagem da Antiguidade à Medievalidade, aliás considerando criticamente os limites espaciais e historiográficos destas expressões. De qualquer modo, a multiplicação de leituras deste período limítrofe entre o que se convencionou chamar de duas eras bem diferenciadas mostra-se interferida por uma profusão de novas perspectivas que, na historiografia contemporânea, introduzem uma miríade de novos campos históricos, como a história social, a história económica, a história cultural, a história das mentalidades, a história demográfica, bem como novas abordagens definidas por campos históricos que vão da história serial à micro-história. Esse enriquecimento de novas perspectivas, aliado à ideia de que a história desenvolve-se através de uma polifonia de temporalidades, tem permitido aos historiadores contemporâneos perceberem, cada vez mais, que não podem existir periodizações fixas e inflexíveis, já que os diversos problemas serem examinados é que definem cada qual a sua periodização.

Novas leituras: história e complexidade
Vale ainda lembrar que, no contexto dos mais estreitos diálogos interdisciplinares que se vão desenvolvendo na historiografia contemporânea, entrar em porto no âmbito teórico também têm permitido reequacionar a passagem da Antiguidade à Medievalidade como fenómeno extremamente complexo. A ideia de que teria ocorrido uma ruína ou desagregação do Império Romano em todos os seus níveis de organização, e não apenas no âmbito político, com a consequente reorganização de elementos para a constituição de um novo sistema, tem sido proposta também por historiadores que buscam amparar as suas análises na teoria da complexidade. Aborda-se, aqui, a possibilidade de considerar o Império Romano como um sistema adaptativo complexo, que entra em crise quando seus diversos componentes estruturais já não respondem com precisão e na mesma proporção ao princípio agregador do sistema». In José D’Assunção Barros, Papas, Imperadores e Hereses na Idade Média, Editora Vozes, 2012, ISBN 978-853-264-454-1.

Cortesia EVozes/JDACT