domingo, 18 de março de 2018

O Segredo de Sophia. Susanna Kearsley. «Ele é sempre assim tão calmo?, perguntei, enquanto olhava para ele. Porquê, pensavas que eu não conseguiria ter um bebé calmo?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Será que pode indicar-me onde estou? Estendi o mapa na sua direcção. Dando a volta, de maneira a poder bloquear o vento, colocou-se a meu lado, com a cabeça inclinada sobre a linha costeira impressa. Aqui, disse ele, e apontou para um promontório sem nome. Cruden Bay. Onde deveria estar? A sua cabeça virou-se muito levemente quando fez a pergunta, e reparei que os seus olhos não eram os olhos de um pirata. Eram cinzento-claros e amigáveis, e a sua voz também era amigável, com toda a cadência agradável e enrolada de um escocês do Norte. Vou para norte…, para Peterhead, respondi. Bem, isso não é um problema. Apontou para o mapa. Não é longe. Siga por esta estrada e irá directamente até Peterhead. Próximo do seu joelho, o cão bocejou uma queixa, e ele suspirou e olhou para baixo. Espera meio minuto. Não vês que estou a conversar? Sorri. Qual é o nome dele? Angus. Dobrando-me, afaguei as orelhas caídas do cão, sujas de lama. Olá, Angus. Andaste a correr. Sim, ele correria durante todo o dia se o deixasse. Não gosta de estar parado. Da mesma maneira, pensei, que o seu dono. O homem tinha uma aura de energia, de agitação e eu já o fizera demorar tempo suficiente. Então, vou deixá-lo ir-se embora, disse eu, enquanto me endireitava. Obrigada pela ajuda.
Não custou nada, assegurou-me, e virou-se, recomeçando a andar, com o spaniel a trotar alegremente à sua frente. O trilho endurecido estendia-se diante de ambos, na direcção do mar, e no final vi as ruínas do castelo erguendo-se severas, quadradas e sem tecto para as nuvens que corriam rapidamente. Enquanto olhava para ele, senti um impulso repentino de ficar, de deixar o carro estacionado onde estava e seguir o homem e o cão até ao sítio para onde tinham ido, e ouvir o bramido do mar em redor das muralhas desmoronadas. Mas tinha promessas a cumprir. Assim, com relutância, regressei ao carro alugado, rodei a chave na ignição e parti novamente em direcção a norte.
Estás noutro sítio. A voz de Jane, lançando sobre mim uma suave acusação, quebrou os meus pensamentos. Estávamos sentadas no quarto do piso superior da casa dela, em Peterhead, o quarto com pequenas cadeias entrelaçadas de botões de rosa no papel de parede, longe da agitação da festa no piso inferior. Recompus-me e sorri. Eu não estou, eu… Carolyn McClelland, disse ela, usando o meu primeiro nome completo como sempre fazia quando me apanhava prestes a dizer uma mentira. Sou tua agente há quase sete anos, não me enganas. É por causa do livro? Os seus olhos mostravam-se ansiosos. Não deveria ter-te arrastado até aqui deste modo, pois não? Não quando estás a escrever. Não sejas pateta. Há coisas mais importantes, disse eu, do que escrever. E para o demonstrar, inclinei-me para a frente de maneira a poder olhar mais atentamente para o bebé que dormia enrolado em cobertores sobre o colo dela. Ele é mesmo muito bonito. É, não é? Orgulhosamente, ela seguiu o meu olhar. A mãe do Alan diz que ele se parece exactamente com o Alan quando era bebé. Eu não conseguia ver isso. Acho que ele tem mais coisas tuas. Basta olhar para o cabelo. Oh, o cabelo, meu Deus, sim, coitadinho, disse ela, tocando na suavidade brilhante, em tons de cobre e ouro, da pequena cabeça.
Tinha algumas esperanças de que fosse poupado a isso. Ele vai ter sardas, sabes? Mas as sardas ficam tão bonitas nos rapazinhos. Sim, bem, não te esqueças de vir cá dizer-lhe isso, quando ele tiver dezasseis anos e me amaldiçoar. Pelo menos, disse eu, não vai ficar aborrecido com o nome que lhe deram. Jack é um nome bonito, bom, muito viril. A escolha do desespero. Eu estava à espera de algo que soasse mais escocês, mas o Alan foi tão irredutível. De todas as vezes que eu propunha um nome, ele dizia: não, tivemos um cão que se chamava assim, e era o fim. A sério, Carrie, durante algum tempo pensei que o iríamos baptizar como Bebé Ramsay.
Mas é claro que não o tinham feito. Jane e Alan arranjavam sempre uma forma de contornar as divergências e o pequeno Jack Ramsay estivera na igreja hoje, tendo eu chegado a tempo de ser a sua madrinha. Que o tivesse conseguido fazer ignorando todos os limites de velocidade entre a minha paragem em Cruden Bay e este sítio deixara o bebé tão pouco impressionado que, quando me vira pela primeira vez, bocejara e mergulhara num sono de tal modo profundo que nem chegara a acordar quando o padre lhe deitara a água sobre a cabeça. Ele é sempre assim tão calmo?, perguntei, enquanto olhava para ele. Porquê, pensavas que eu não conseguiria ter um bebé calmo? Os olhos de Jane procuravam arreliar-me, porque ela conhecia a sua própria natureza. Não era o que eu chamaria uma pessoa calma. Tinha uma vontade forte; era determinada e vibrante, tão animada que me fazia sentir incolor, de alguma forma, ao seu lado. E cansada. Eu não conseguia acompanhar o seu ritmo». In Susanna Kearsley, O Segredo de Sophia, Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-944-5.

Cortesia de ASA/JDACT