sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A Metamorfose. O Asno de Ouro. Lucio Apuleio. «E como aquele é manjar branco e pegajoso, atravessando-me no gargalo, não me deixando respirar…»

Cortesia de wikipedia

«A tradução que publicamos do Asno de Ouro, de Apuleio, é atribuída a Diego López Cortegana, arcediano de Sevilha pelos anos de 1500.
Este livro, composto ao estilo de Mileto, poderá conhecer e saber diversas histórias e fábulas, com as quais deleitará os seus ouvidos e sentidos, se quiser ler e não menosprezar, ver esta escritura egípcia, composta com engenho das ribeiras do Nilo; porque aqui verá as fortunas e figuras de homens convertidas noutras imagens e tornadas outra vez na sua mesma forma. De maneira que se maravilhará do que digo. E se quer saber quem sou, em poucas palavras lhe direi isso: Minha antiga linhagem teve a sua origem e nascimento nas colinas do Himeto ateniense, no istmo da Efirea e em Tenaro de Esparta, que são cidades muito férteis e nobres, celebradas por muitos escritores. Nesta cidade de Atenas comecei a aprender sendo moço; depois vim a Roma, onde com muito trabalho e fadiga, sem que professor me ensinasse, aprendi a língua natural dos Romanos. Assim que peço perdão se em algo ofender, sendo eu rude para falar língua estranha. Que até a mesma mudança de meu falar responde à ciência e estilo variável que começo a escrever. A história é grega, entende-a bem e haverá prazer.
Lucio Apuleio, desejando saber arte mágica, foi à província de Tessália, onde estas artes se sabiam; no caminho juntou-se terceiro companheiro a dois caminhantes, e andando naquele caminho foram contando certas coisas maravilhosas e incríveis de um embaixador e de duas bruxas feiticeiras que se chamavam Meroe e Panthia, e logo diz de como chegou à cidade Hipata e de o seu hospedeiro Milón, e o que a primeira noite aconteceu na sua casa. Lê e verá coisas maravilhosas. E indo à Tessália sobre certo negócio, porque também dali era a minha linhagem, de parte de minha mãe, daquele nobre Plutarco e Sesto, seu sobrinho, filósofos, dos quais vem nossa honra e glória, depois de passar serras e vales, prados arborizados e campos arados, já o cavalo que me levava, ia cansado. E assim, por isso, como por exercitar as pernas, que tinha cansadas de cavalgar, saltei em terra e comecei a esfregar o suor e à frente de meu cavalo. Tire-lhe o freio e retirei das orelhas, e leve-o diante de mim, pouco a pouco, até que fosse bem descansado, fazendo o que naturalmente acostumara. Caminhando de tal maneira, ele mordia por esses prados uma parte e a outra, torcendo a cabeça, e comia o que podia, até que a dois companheiros que iam um pouco diante de mim eu me cheguei e fiz-me terceiro, escutando o que falavam. Um deles, com uma grande risada, disse: cala já; não diga essas palavras tão absurdas e mentirosas.
Como ouvi isto, desejando saber coisas novas, disse: antes, senhores, repartam comigo do que falam, não porque eu seja curioso de sua fala, mas porque desejo saber todas as coisas, ou ao menos muitas, e também, como subimos a áspera desta encosta, o falar-nos aliviará do trabalho. Então, aquele que começara a falar disse: por certo, não é mais verdade esta mentira que se algum dissesse que com arte mágica os rios caudalosos tornam para trás, e que o mar se coalha, e os ares morrem, e o Sol está fixo no céu, e a Lua desponta nas ervas, e que as estrelas se arrancam do céu, e o dia se tira, e a noite detém-se. Então eu, com um pouco de mais ousadia, disse: ouça você, que começou a primeira fala, por amor de mim que não lhe cause pesar nem se zangue de proceder adiante. Assim mesmo, disse ao outro: você me parece que com grosso entendimento e rude coração menospreza o que por ventura é verdade. Não sabe que muitas coisas pensam os homens, com suas más opiniões, ser mentira, porque são novamente ouvidas, ou porque nunca foram vistas, ou porque parecem maiores do que se pode pensar, as quais, se com astúcia as olhasse e contemplasse, não somente seriam claras de achar, mas muito ligeiras de fazer? Pois, aconteceu-me que indo à Atenas um dia, já tarde, e comendo com outros, eu, por fazer como eles, mordi um grande bocado numa queijadinha, por causa de que os convidados se davam pressa em comer. E como aquele é manjar branco e pegajoso, atravessando-me no gargalo, não me deixando respirar, até que por pouco fiquei morto; mas com todo meu trabalho cheguei à cidade, e no portal grande que chamam Pecile vi com estes ambos os olhos a um cavalheiro destes que fazem jogos de mãos que se tragou uma espada bem aguda pela ponta. E logo, por um pouco de dinheiro que lhe davam, tomou uma lança pelo ferro e lançando-a pela barriga, de maneira que o ferro da lança, que entrou pela virilha, saiu-lhe pela parte da nuca à cabeça, e apareceu um menino lindo no ferro da lança, subindo e volteando, do qual nos maravilhamos quantos ali estávamos, que não dissesse, mas sim, era o bastão do deus Esculápio, meio cortados os remos, e assim áspero, com uma serpente volteando em cima». In Lucio Apuleio, A Metamorfose, O Asno de Ouro, Século XV/XVI, Publicações Europa-América, Clássicos, 1990, ISBN 978-972-103-151-7.

Cortesia de PEAmérica/JDACT