domingo, 12 de novembro de 2017

O Vírus Mona Lisa. Tibor Rode. «A seguir teria de tomar um comprimido ou, melhor, dois. O meu corpo pertence-me, repetiu ela, baixinho»

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«(…) Tal como antes, quando obrigara Betty a manter-se silenciosa sobre os resultados da sua ressonância magnética. Porquê? Não é nada que possa envergonhar alguém, retorquira Betty, traçando, na perspectiva de Helen, uma fronteira invisível. Era a ela que pertencia o seu corpo e a decisão era só sua quanto ao conhecimento das suas fotografias clínicas e a quem as poderia ver. Finalmente Betty conseguira ser convencida, de colega para colega, a guardar a informação só para si. Até Claude ter aparecido de repente e a conversa ter terminado abruptamente com a sua entrada em cena. Ao reparar no silêncio que se gerara, Claude ficara visivelmente consternado e perguntara-lhes: estiveram a discutir? Mas ambas ignoraram o seu embaraço com sorrisos. E depois Helen resolvera, espontaneamente, folgar durante o resto do dia sem, no entanto, deixar de se assegurar de que todos os registos da sua experiência haviam sido destruídos. Mas agora sentia-se arrasada. A cabeça doía-lhe, como acontecia tantas vezes quando tinha de suportar ruídos mais altos. Com as pontas dos polegares e dos dedos indicadores massajou as sobrancelhas. A seguir teria de tomar um comprimido ou, melhor, dois. O meu corpo pertence-me, repetiu ela, baixinho. Eram as mesmas palavras que dissera a Betty. Mas nem sempre fora assim. Era por isso que não gostava que os outros pudessem ver o que se passava no ambiente secreto do seu corpo? Fora por isso que reagira tão violentamente perante Betty? Devido à preocupação de que a imagem do seu cérebro pudesse ser divulgada? Por instantes, viu a capa da Vogue com a imagem da sua própria cabeça, e apressou-se a fechar os olhos com força para afugentar essa visão. Suspirando, ergueu o rosto ao Sol e sentiu o calor na testa. Era como se tivesse a esperança de que os raios ultravioletas lhe queimassem os pensamentos tão sombrios.
Helen meteu a mão no bolso do casaco e sentiu o papel do envelope entre os dedos. Tirou-o e olhou para a carta com o timbre do Museu do Louvre, de Paris. Por baixo encontrava-se também o nome do diretor da Coleção de Pintura, Louis Roussel. Leu de novo as linhas que ele lhe enviara. Roussel expressava a sua satisfação por poder recebê-la em breve em Paris, no Centro de Pesquisa e Restauro dos Museus de França (conhecido, abreviadamente, por C2RMF). Tudo estava a postos para a investigação prevista. Além disso, Roussel sublinhava mais uma vez a necessidade de manter o maior sigilo. Por razões de segurança. E nem mesmo os seus colaboradores mais próximos, como Betty ou Claude, deviam saber qual era exactamente o propósito da sua deslocação a Paris. Se lhe parecia tudo algo exagerado, também servia para tornar a viagem mais atraente. Um sorriso animou-lhe o rosto. Pensar em Paris despertava-lhe recordações antigas. De um Verão passado. Vivera em Paris os seus momentos mais bonitos..., mas também os piores. Helen dobrou o envelope para caber no bolso do casaco e roçou com a mão no telemóvel. Um pouco desajeitadamente, tirou o headset e enfiou o pequeno auricular no ouvido. Desde que lera numa revista especializada um estudo sueco, segundo o qual as radiações dos telemóveis podiam provocar alterações no cérebro, recusava-se a encostar directamente o aparelho ao ouvido.
Marcou o número do telemóvel de Madeleine e demorou algum tempo até ouvir o sinal de chamada, o que lhe provocou uma dor penetrante que se alastrou do ouvido interno até à têmpora. Depois de cinco toques de chamada, foi encaminhada para a caixa de correio de voz. Helen alegrou-se ao ouvir a voz clara da sua filha, que pedia para, depois do sinal sonoro, lhe deixarem uma mensagem. Gostaria mais, no entanto, de ter falado directamente com ela. Desligou. Seria de supor que estivesse em alguma sessão de terapia. A rotina diária da clínica de San Antonio estava visivelmente organizada, o que fazia parte da terapia. Há quanto tempo é que não via Madeleine? Há seis semanas bem compridas. Mas era o que os médicos queriam porque era também o que Madeleine queria. Helen soltou um suspiro bem audível. Ao pensar na filha, o coração ainda lhe pesava mais». In Tibor Rode, O Vírus Mona Lisa, 2016, Topseller, 20/20 Editora, 2016, ISBN 978-989-883-989-3.

Cortesia de Topseller/20/20E/JDACT