sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O Papa e o Filho Bastardo. Paul Strathern. «Alexandre VI recebeu mais reforços, mas estes dificilmente foram suficientes para resistir à forte máquina de guerra francesa, com 60 000 homens, que em breve iniciaria o seu avanço para sul»

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«(…) Ao iniciar o seu pontificado, o novo papa prometera uma reforma completa das finanças papais, um assunto caro ao seu coração, e, para espanto de muitos, estas reformas foram de imediato levadas a cabo. Depois, em 1494, Alexandre VI emitiu uma bula papal que teve possivelmente mais efeito em todo o mundo do que nenhuma outra, antes ou depois. Com a descoberta do Novo Mundo pela Espanha e as navegações portuguesas a passar além dos Açores, à volta de África e chegando ao oceano Índico, a perspectiva de um conflito entre estas duas poderosas nações cristãs tornou-se maior do que nunca. O problema foi resolvido pela bula de Alexandre VI, que traçou uma linha de norte para sul através do Atlântico, 100 léguas a ocidente das ilhas de Cabo Verde. Todas as terras que fossem descobertas a ocidente dessa linha pertenceriam a Espanha, as que fossem descobertas a leste pertenceriam a Portugal (esta linha seria mais tarde desviada para 370 léguas a ocidente dos Açores; embora a intenção fosse que o Novo Mundo pertencesse a Espanha, esta nova demarcação significou que, quando o Brasil foi descoberto, situava-se a leste da nova linha e, como tal, caberia aos portugueses; uma herança duradoura desta alteração é o facto de no Brasil se falar português, enquanto no resto da América do Sul o espanhol continua a ser a língua oficial).
A intervenção de Alexandre VI nesta disputa potencialmente desastrosa foi muito apreciada por ambas as partes, embora talvez mais pela Espanha, país ao qual a adjudicação do papa independente atribuía à partida a parte de leão. Como reconhecimento deste favor, o rei Fernando de Espanha estava na disposição de ignorar o seu desprezo pelo filho do papa, Juan Bórgia, o arrivista duque de Gândia. Fernando anunciou que estava preparado para receber Gândia na corte e até permitiu os esponsais de Gândia com a sua prima de sangue real María Enríquez. Mais ou menos por esta altura, Alexandre VI também conseguiu arranjar uma noiva real de prestígio para o seu filho Jofre, que ficou noivo de Sancia, filha ilegítima de Alfonso, filho do rei de Nápoles. O poder imediato dos Bórgia terminaria assim que Alexandre VI deixasse de ser papa, mas tendo os seus filhos casados com mulheres pertencentes a duas famílias reais, era evidente que Alexandre VI alimentava ambições maiores e mais duradouras para a família Bórgia. Com este objectivo, a crescente teia de influência do novo papa estendia-se por toda a Itália e além dela, desde os Sforza em Milão até aos Medici em Florença, do rei de Nápoles ao rei de Espanha.
No entanto, em 1494, os planos de Alexandre VI desmoronaram-se, quando Ludovico Sforza convidou Carlos VIII a entrar em Itália para reclamar o trono de Nápoles. O tosco rei francês era encarado com horror pelos sofisticados italianos; de acordo com Guicciardini: os seus membros tinham umas tais proporções que ele parecia mais um monstro do que um homem. Quando o seu exército varreu tudo no seu avanço para sul, começou a perturbar o equilíbrio precário da política italiana. Quando Pisa foi tomada, libertou-se de Florença. No meio das convulsões, Piero de Medici fugiu de Florença, a qual sofreu a humilhação de ser ocupada pelo exército francês. Antes de retirar o seu exército, Carlos VIII insistiu em que a Signoria assinasse um tratado de amizade, obrigando Florença a apoiar a causa francesa.
No entanto, tudo isto era uma humilhação de pouca monta quando comparado com o que haveria de se seguir. Para chegar a Nápoles, Carlos VIII e o seu exército precisavam de atravessar território papal. Alexandre VI convocou as poucas forças que tinha à sua disposição, muitas delas recrutadas nos exércitos das principais famílias de Roma, como os Orsini e os Colonna. Após um apelo desesperado aos seus aliados napolitanos, Alexandre VI recebeu mais reforços, mas estes dificilmente foram suficientes para resistir à forte máquina de guerra francesa, com 60 000 homens, que em breve iniciaria o seu avanço para sul». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT