sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O Sebastianismo. José Van Den Besselaar. «Mas António Vieira, que não reconhecia a autenticidade das palavras “nascendo póstumo”, aplicou-a, em 1659, a João IV e, mais tarde, a um filho de Pedro II»

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«(…) Outra visão de Esdras fala nas dez tribos deportadas pelos Assírios no fim do século VIII a. C.. Ao contrário das duas tribos que, mais tarde, seriam transportadas para a Babilónia, estas nunca conseguiram repatriar-se: encerradas por altas montanhas e rios caudalosos, vivem longe das outras nações. Mas no fim dos séculos hão-de aparecer milagrosamente para se incorporar no Reino do Messias. O tema das tribos perdidas, imaginadas como prestes a submeter-se à Lei de Cristo e ajudar o Imperador Mundial, devia ser caro a Bandarra e a Vieira. No Novo Testamento lemos diversos textos relativos ao Anticristo, às perseguições dos últimos tempos e ao Segundo Advento de Cristo. Os passos mais importantes ocorrem nos Evangelhos, nas Epístolas de São Paulo e, sobretudo, no Apocalipse. De acordo com a exegese tradicional, este livro descrevia por meio de figuras simbólicas (as sete trombetas, os sete selos, os sete anjos, etc.) a história da Igreja, uma história cheia de calamidades, às quais se havia de seguir o reino milenar de Cristo na terra e, depois de um breve intervalo dominado por Satanás, o Juízo Final.

As profecias não canónicas
Das inúmeras profecias não canónicas ocorrentes nos cartapácios dos sebastianistas podemos dar aqui apenas uma pequena selecção. Em primeiro lugar, são frequentemente citados os oráculos sibilinos, geralmente em forma de coplas castelhanas. Esses oráculos não têm nada a ver com os vaticínios gregos que o Baixo Império nos transmitiu e parece que são de origem ibérica. Devem ter sido forjados no fim da Idade Média, mas os pormenores da sua origem são-me desconhecidos. Existe também um oráculo sibilino, redigido em linguagem solta e citado em Latim ou em Português. Segundo ele, Cassandra, a filha de Príamo, rei de Tróia, teria predito, juntamente com Santo Isidoro (bien étonnés de se trouver ensemble!), o seguinte: um rei novo, nos últimos tempos, na Espanha Maior, duas vezes dado por piedade do Céu, nascendo póstumo, reinará por uma mulher, cujo nome começará em I e acabará em L. E o dito rei virá das partes orientais. Reinará na sua mocidade, e alimpará a Espanha dos vícios imundos, e o que não queimar o fogo, devastará a espada. Reinará sobre a Casa de Agar [= Sarracenos], conquistará Jerusalém, fixará a imagem do Crucificado sobre o Santo Sepulcro, e será o maior de todos os monarcas.
Esta profecia, citada em diversas formas de acordo com as preferências dos tratadistas, contém elementos que parecem talhados para a pessoa do monarca Sebastião I: duas vezes dado, nascendo póstumo, reinando na sua mocidade, vindo das partes orientais e destruidor dos Sarracenos. Mas António Vieira, que não reconhecia a autenticidade das palavras nascendo póstumo, aplicou-a, em 1659, a João IV e, mais tarde, a um filho de Pedro II. A Santo Isidoro, o famoso arcebispo de Sevilha e grande organizador da Igreja visigótica, se atribuíam muitas profecias, que, no fim do século XV, foram postas em verso pelo cartuxo castelhano Pedro Frias, uma fonte avidamente explorada pelos sebastianistas. Além de ter profetizado que o Encoberto seria duas vezes dado, o arcebispo teria predito também que ele traria em seu nome letra de hierro. Segundo os sebastianistas, a letra de ferro era o S, inicial do vocábulo latino servus, que os Romanos costumavam imprimir com um cunho de ferro nos rostos dos escravos. Obviamente, o profeta tinha em mente o nome de Sebastião I.
Santo Isidoro não foi o único eclesiástico a fornecer profecias à causa sebástica. Do apóstolo São Tomé se acharam em Meliapor profecias que resumiam, em estilo bíblico, a derrota de Sebastião, o domínio filipino e o triunfo final da nação lusitana. De São Metódio, bispo de Olimpo, que morreu mártir sob Diocleciano, citava-se um texto profético, segundo o qual um Rei, tido por morto e inútil, havia de despertar como de sono de vinho. A frase não é de São Metódio, mas ocorre num tratado apocalíptico, redigido por um monge sírio no fim do século VII. São Bernardo, que o patriotismo português promovera a parente de Afonso Henriques, teria escrito a este que ao seu Reino nunca faltariam reis naturais, salvo se pela gravidade de culpas Deus o castigasse por algum tempo. São Francisco de Assis, numa visita (completamente fantasiada) a Portugal, teria prometido a dona Urraca, esposa de Afonso II, que o Reino de Portugal nunca seria unido ao Reino de Castela». In José Van Den Basselaar, O Sebastianismo, História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve, volume 110, Livraria Bertrand, 1987»

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