domingo, 13 de agosto de 2017

Manique do Intendente. Uma Vila Iluminista. «Em 1762, José Figueiredo Seixas escreveu o seu “Tratado de Ruação”. Este constitui a resposta portuense à reconstrução de Lisboa…»

jdact e wikipedia

Urbanismo: o Contexto Europeu. A engenharia militar e a tratadística
«(…) A par das influências do exterior que vão chegando a Portugal, no plano da arquitectura, a longa tradição da engenharia militar empresta à produção arquitectónica rigor e um forte espírito utilitário e esse espírito vai marcar a produção portuguesa por um largo período de tempo. Esta arquitectura, essencialmente feita por engenheiros, possui uma forte apetência pelo funcionalismo e pelos aspectos construtivos, com base na geometria. A ciência geométrica foi a base mais constante da preparação académica dos engenheiros portugueses e o ponto fulcral para o desenvolvimento das investigações formais que fizeram, tanto nos seus trabalhos urbanísticos, como nos arquitectónicos. A Aula de Fortificação Militar, a funcionar no Paço da Ribeira, foi fundada em 1647, durante o reinado de João IV e fundou a escola portuguesa de engenharia militar, tendo um papel preponderante e praticamente exclusivo na formação dos arquitectos, ou engenheiros militares que actuaram no nosso país e nas colónias. É com esta instituição que se retoma o ensino, interrompido durante o período filipino. Em 1732, a Academia militar é reorganizada pelo rei João V e sofre mais reformas pela mão do marquês de Pombal, com o militar conde de Lippe como obreiro (1763).
As principais influências que penetraram no nosso país foram a italiana (sobretudo durante o século XVI) e mais tarde, a francesa e holandesa (século XVII). Tratados e desenhos provenientes destes países circulavam por cá (como o tratado de Serlio, que teve grande divulgação), e a par com as experiências de alguns portugueses no estrangeiro, ajudaram a espalhar essas influências. Por outro lado, e principalmente a partir da Restauração, houve uma vaga de engenheiros franceses contratados para trabalhar em terras lusas. Rafael Moreira, citado por José Manuel Fernandes refere que esta permanente circulação pessoas, ideias e formas entre os três continentes explica os paralelos construtivos e urbanísticos que fizeram da arquitectura militar o primeiro estilo internacional da arquitectura moderna.
A nível da teorização de produção nacional, a área da arquitectura civil foi praticamente estéril. Mais uma vez os mais importantes trabalhos saíram da mão da escola militar. Um dos grandes temas produzidos no nosso país foi o Método Lusitânico de Desenhar Fortificações, de Luís Serrão Pimentel, engenheiro-mor do Reino (1673) e professor da Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, sendo datado de 1680. Nele perpassa uma vontade de distinguir a engenharia militar da arquitectura. A primeira será uma ciência, a segunda, uma arte. Este tratado teve grande repercussão no país e foi usado durante um largo período de tempo. Manuel Azevedo Fortes escreveu em 1728/29 o Engenheiro Português. Em 1733, o padre Ignácio Piedade Vasconcellos escreve o Artefactos Symmetricos, e Geometricos, advertidose descobertos pela industriosa perfeição das Artes, Esculturaria, Architectonica, e de Pintura, em que disserta sobre as várias artes, com prevalência da arquitectura e da escultura, segundo regras práticas baseadas na geometria.
Em 1762, José Figueiredo Seixas escreveu o seu Tratado de Ruação. Este constitui a resposta portuense à reconstrução de Lisboa, ao mesmo tempo que a primeira tentativa de sistematizar em disciplina e erguer ao estatuto de ciência a prática urbanística (…) combinando leituras dos teorizadores da cidade ideal (Alberti, Cataneo, etc.), de André Garcia Céspedes, Madrid, 1606, e frei Lorenzo  San Nicolàs, Madrid, 1633-1665, de Serrão Pimentel e Azevedo Fortes, com a experiência dos engenheiros civis e militares em Portugal e no Brasil. Rafael Moreira chama-lhe um ensaio pioneiro de uma teoria geral do urbanismo.
O tratado é constituído por duas partes. Na primeira, Figueiredo Seixas propõe um modelo utópico de parcelamento e organização do território. As povoações seriam hierarquizadas por categorias: província, comarca, cidade, vila e lugar. No território seria lançada uma quadrícula, como um tabuleiro de damas, orientado pelos pontos cardeais principais, que ditaria a localização das ditas povoações, das suas casas, ruas e praças, e também dos terrenos de cultivo. A cidade capital estaria situada no quadrado central do reino. Esses quadrados teriam meia légua de lado (1409 braças) e seriam divididos em courelas de terra de 90 por 30 braças (às quais se descontam 5 braças a toda a volta para as ruas com 10 braças). Fala Alberti, quando refere a dimensão ideal da povoação (meia légua portuguesa, correspondente a meia hora de caminhada). Nas cidades esse quadrado seria inteiramente preenchido por casas, o que possibilitaria a construção de 225 800 fogos. Nas vilas e lugares, menos populosos, haveria lugar a hortas no seu interior». In Cátia Gonçalves Marques, Departamento de Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.

Cortesia de FCTUC/JDACT