domingo, 23 de julho de 2017

Marcas do Quotidiano nos Monumentos Funerários. A Representação de Animais na Tumulária Medieval do Entre-Douro-e-Minho. Pedro Chambel. «… a Idade Média, visto a penetração do epitáfio nos meios não nobilitados ou privilegiados da sociedade do Entre-Douro-e-Minho, ser um acontecimento tardio, que só se verifica no século XIV»


Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A elaboração dos monumentos funerários, enquanto fruto das preocupações dos vivos acerca do seu incerto futuro, envolvia a existência de condições materiais que os tornassem possíveis. Eram, assim, os grandes senhores eclesiásticos e leigos quem detinha os meios necessários à sua construção, visto ela exigir uma mão-de-obra especializada que era preciso pagar. Contudo, também eram eles os supostos protagonistas do mundo terreno: reis, nobres e eclesiásticos consideravam-se como os zeladores da ordem terrena, pelo que consideravam dever ser a sua memória, verdadeira ou idealizada, que merecia ser perpetuada. No fundo, era a eles que se dedicavam os livros de linhagens, as crónicas e os relatos da vida dos santos ou dos proeminentes eclesiásticos. É, portanto, neste contexto que pretendemos reflectir sobre as marcas do quotidiano inscritas nos monumentos funerários. O nosso objectivo é a análise do monumento tumular enquanto documento que apela à decifração do que nele se quis transmitir ao mundo dos vivos e à Sociedade Celeste. Restringiremos o nosso estudo às imagens de animais presentes na tumularia, pretendendo indagar como o seu simbolismo se liga à idealização das representações de uma vida que merecia uma morte santa e exemplar. O âmbito geográfico do nosso inquérito é o da região de Entre-Douro-e-Minho, a área onde o mundo senhorial português encontrava raízes mais profundas e onde a riqueza e o poder se encontravam essencialmente ligados à ruralidade.
Interessa-nos, assim, perceber até que ponto os notáveis desta região se interessaram por manifestar nos monumentos funerários que para eles mandaram construir, entre os séculos XIII a XV, a representação da Natureza, em particular os animais, como forma de explicitarem um quotidiano marcado por uma forte ligação à terra e aos seus valores. Para tal, começaremos por realçar as manifestações de personalização da morte que se encontram na generalidade dos túmulos. Segundo Mário Jorge Barroca, a personalização do sepulcro no Entre-Douro-e-Minho encontra as suas raízes no século XI, acrescentando o autor que, no entanto, ela só se viria a impor no segundo quartel da centúria seguinte. A primeira forma de personalização dos túmulos manifesta-se na sua decoração. Inicialmente titubeante, com decorações figurativas incipientes constituiu, desde logo, um marco distintivo dos sepulcros. Encontramo-los, assim, decorados com elementos que procuravam transmitir a condição social do defunto em vida, como as representações de espadas e cavalos que remetem para a classe dos homens-de-armas. Outras figurações, como a da tampa tumular da igreja do antigo mosteiro de Paço de Sousa, onde se representa um abade, são mais elucidativas, visto nela se associar directamente ao defunto um báculo abacial.
Convirá referir que estes primeiros esboços de imagens de uma morte personalizada se apresentam associados à existência de Obituários, onde se registava, conjuntamente com o nome do defunto, a notícia descritiva da decoração do seu túmulo, permitindo conservar a sua identificação e a perpetuação da memória do defunto, ao mesmo tempo que se garantiam as celebrações rituais prescritas por este em vida. Como veremos, a ornamentação dos túmulos foi-se tornando cada vez mais elaborada, encontrando-se na arte funerária do Entre-Douro-e-Minho alguns dos monumentos escultórios mais notáveis da nossa medievalidade. Outra forma de personalização dos sepulcros encontra-se nas epígrafes que constituíram uma das formas mais directas e eficazes de o efectuar. Segundo Mário Jorge Barroca, foi durante os séculos XII e XIII, quando a personalização dos monumentos funerários se afirma de forma decisiva, que surge um grande número de epígrafes. No entanto, o uso do epitáfio já se vinha afirmando desde o século XI, restringindo-se, numa primeira fase, aos nobres e, alargando-se, posteriormente, aos clérigos, tornando-se estes dois grupos sociais os detentores exclusivos das epígrafes durante quase toda a Idade Média, visto a penetração do epitáfio nos meios não nobilitados ou privilegiados da sociedade do Entre-Douro-e-Minho, ser um acontecimento tardio, que só se verifica no século XIV.
Convirá referir que estes primeiros esboços de imagens de uma morte personalizada se apresentam associados à existência de Obituários, onde se registava, conjuntamente com o nome do defunto, a notícia descritiva da decoração do seu túmulo, permitindo conservar a sua identificação e a perpetuação da memória do defunto, ao mesmo tempo que se garantiam as celebrações rituais prescritas por este em vida. Como veremos, a ornamentação dos túmulos foi-se tornando cada vez mais elaborada, encontrando-se na arte funerária do Entre-Douro-e-Minho alguns dos monumentos escultórios mais notáveis da nossa medievalidade. Outra forma de personalização dos sepulcros encontra-se nas epígrafes que constituíram uma das formas mais directas e eficazes de o efectuar. Segundo Mário Jorge Barroca, foi durante os séculos XII e XIII, quando a personalização dos monumentos funerários se afirma de forma decisiva, que surge um grande número de epígrafes. No entanto, o uso do epitáfio já se vinha afirmando desde o século XI, restringindo-se, numa primeira fase, aos nobres e, alargando-se, posteriormente, aos clérigos, tornando-se estes dois grupos sociais os detentores exclusivos das epígrafes durante quase toda a Idade Média, visto a penetração do epitáfio nos meios não nobilitados ou privilegiados da sociedade do Entre-Douro-e-Minho, ser um acontecimento tardio, que só se verifica no século XIV». In Pedro Chambel, Marcas do Quotidiano nos Monumentos Funerários. A Representação de Animais na Tumulária Medieval do Entre-Douro-e-Minho, Instituto de Estudos Medievais, IEM, Ano 1, N º 1, 2005, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT