terça-feira, 25 de julho de 2017

Afonso. 4º conde de Ourém. Alexandra Barradas. «Quanto ao que mais terá sido visto apenas poderemos presumir que a passagem pelo Cairo e Damasco e outras terras lhe terá proporcionado contactos com uma cultura que, apesar de não ser sua desconhecida»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Sem bases documentais, mas relacionando factos, acontecimentos e datas, julgamos que é possível afirmar que o conde de Ourém esteve em Florença, num dos anos mais importantes para a cidade que festejava efusivamente a conclusão da sua bela catedral, cujo fecho da respectiva cúpula, tinha demorado tantos anos e que alguns julgavam até ser impossível. Mesmo em frente, Afonso terá certamente admirado a bela Loggia dei Lanzi, famoso pórtico destinado a cerimónias públicas construído entre 1376-81 e terá passeado pela Piazza della Signoria e entrado no Palácio Vecchio (1429-1314), com desenho de Arnolfo di Cambio. Deve ter também visitado a residência da Potestade (ou Palácio del Bargello), edifício cuja construção se iniciou no século XIII e cuja loggia e grande sala datam do século XIV. E viu com quase toda a certeza, para além da Catedral que o relato assinala, as obras de Brunelleschi, que nesta altura estavam já edificadas em Florença: a Igreja de São Lorenço, cujos trabalhos tinham sido iniciados em 1423, o Hospital dos Inocentes, construído em 1420 e talvez a Capela dos Pazzi, em construção, uma vez que, iniciada em 1430 só foi concluída em 1444. E se não conheceu o famoso arquitecto, terá talvez tido oportunidade de contactar possivelmente com o irmão que, possivelmente elucidou Afonso sobre as novidades arquitectónicas e estilísticas concebidas por Filippo Brunellechi. O Conde de Ourém esteve pois em Florença num ano importantíssimo, talvez mesmo, no preciso momento que constituiu o ponto de viragem e afirmação de uma nova estética que acabava de nascer com a conclusão da emblemática e grande opera da cidade, a Catedral de Santa Maria del Fiore. Pena é não termos registos mais completos desta passagem por Florença que nos elucidariam sobre o que de facto Afonso viu, e sobretudo, com quem contactou na capital da Toscânia.
Em Bolonha, importante cidade pontifícia, são inúmeros os edifícios notáveis que na terceira década do século XIV já estavam construídos e que o conde de Ourém também terá visto, tendo até entrado muito provavelmente num deles: na praça principal situavam-se os palácios comunal, iniciado no século XIII, o chamado do rei Enzo, do mesmo século, e o dos Notários também do século XIV-XV, onde julgamos estava alojado o papa, e onde Afonso foi recebido. Um outro edifício, a Mercanzia ou Loggia dos Mercadores, estava já erguido uma vez que tinha sido concluído no final do século anterior. O edifício que albergava a universidade (a mais antiga da Europa que no século XIII tinha já 10 000 estudantes), também deve ter sido visitado. Quanto a edifícios religiosos, para além da catedral de S. Petrónio, podiam já ser vistas as igrejas Dei Servi (século XIV), com uma Madona de Cimabue, a de San Stefano, constituída por um complexo conjunto de edifícios medievais, e a de S. Domingos, onde está o túmulo daquele santo. Em Modena, onde a comitiva esteve nove dias, Afonso terá tido oportunidade de ver a respectiva catedral, de feição lombarda, tendo o mesmo acontecido, certamente em Lausane. Sobre a ida a Jerusalém, não existem quaisquer registos sobre a viagem, o itinerário e o que terá visto. De concreto apenas temos as sumárias referências da Crónica do Condestável e a carta, a que já fizemos referência, que notícia que em Setembro de 1437, Afonso estava em Veneza. Fundada sobre 117 ilhas no século IX, gozando de uma situação geográfica invejável entre o Oriente e o Ocidente que lhe possibilitou alcançar um enorme poder económico e político, Veneza era, a mais importante potência comercial e marítima da Europa, sendo o Adrático mar veneziano de Corfu ao Pó, vivendo, nesta primeira metade do século XV, o seu período de maior apogeu. Decerto que a imagem desta tão singular cidade seria bem diversa da actual, pois muitos dos seus mais notáveis edifícios datam do século XVI, XVII e XVIII. No entanto a Basílica de S. Marcos marcaria já a praça com o mesmo nome, assim como o Palazzo Ducale, residência do dodge, sede do governo, palácio de justiça e prisão, edificado no século XII, cuja feição seria então ainda completamente medieval pois as grandes transformações que sofreu, apesar de iniciadas no século XIII, decorreram sobretudo no século XVI. Mas o Ca´d´Oro, o mais elegante palácio veneziano do século XV andaria em construção (concluído em 1440, Afonso deve tê-lo visto com a imagem dourada que lhe deu nome, quando voltou a passar por Veneza em 1452), estando já edificado o Ca´Foscari outra notável residência quatrocentista. Quanto a edifícios religiosos destacamos a Igreja de S. João e S. Paulo (1234-1430), a Igreja de Stª Maria Gloriosa dei Frari, dos franciscanos e a maior de Veneza e a Igreja de S. Zacarias, cuja imagem actual é da renascença, mas originalmente medieval mantendo-se deste tempo o campanário do século XIII e a Igreja de S. Michele com o seu claustro do século XIV.
Em Jerusalém, a ida ao Santo Sepulcro seria paragem obrigatória, destino de viagem até. Quanto ao que mais terá sido visto apenas poderemos presumir que a passagem pelo Cairo e Damasco e outras terras lhe terá proporcionado contactos com uma cultura que, apesar de não ser sua desconhecida, pois era muito forte a presença muçulmana na Península Ibérica, foi naqueles locais apreciada de forma plena e autêntica. A quarta missão diplomática do conde de Ourém levou-o novamente a Itália. Realizada no âmbito do casamento de dona Leonor com Frederico III, Imperador da Alemanha, a embaixada portuguesa saiu de Lisboa no dia 25 de Novembro de 1451, por via marítima e fez a sua primeira paragem em Ceuta, no final de Novembro. Na costa francesa, deteve-se para abastecimento na actual Monte Carlo e em Marselha, onde parte da tripulação foi visitar a gruta de Stª Madalena e os túmulos de Stª Marta e S. Lázaro. Em Itália as cidades que os relatos assinalam como locais que Afonso visitou e estadeou são: Livorno/Pisa, onde chegou no início de Fevereiro, Siena, Assis, para visitar ao túmulo de S. Francisco e Stª Clara nos respectivos mosteiros e Roma, onde entrou no dia 8 de Março de 1452, para assistir ao casamento e coroação dos imperadores nos dias 15 e 19 do mesmo mês, respectivamente». In Alexandre Leal Barradas, D. Afonso, 4º conde de Ourém, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT