segunda-feira, 12 de junho de 2017

Deslumbrante. Madeline Hunter. «Tentou fingir uma indiferença espontânea, mas não pôde evitar reparar que, se uma mulher tinha de ver um homem meio nu pela primeira vez na vida, lord Sebastian não era um mau começo»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Vozes transmitiram a notícia de que uma mulher tinha tentado matar o amante. Não foi isso que aconteceu. Lord Sebastian arrancou o que restava da manga e usou o retalho para comprimir a abertura grande e escura que tinha no braço. Alguém entrou. Um ladrão. Tentei defender-me e ele atacou-me. Na luta, a pistola disparou. É uma história improvável, disse o estalajadeiro, entredentes. Questiona a minha palavra de cavalheiro?, perguntou lord Sebastian, ameaçador. Não questionarei nada, senhor. Vou deixar isso ao magistrado, se não se importar. Pode contar do ladrão audaz que entrou num quarto ocupado, simplesmente para atirar e fugir sem dinheiro. O estalajadeiro dirigiu a Audrianna um olhar de desdém. Quer que mande alguém a Brighton buscar um cirurgião, senhor? Ou esta mulher consegue cuidar do ferimento enquanto espera pelo juiz de paz? Fico com a sua palavra do cavalheiro que realmente é de que vai ficar e não fugir. Lord Sebastian tirou o farrapo e olhou para o braço.
Tem a minha palavra. Conseguimos tratar da ferida. Mande trazer água fresca e um trapo limpo. Além do mais, a senhora vai precisar de um quarto para ela, para passar a noite, por isso trate de providenciá-lo. Os outros quartos estão ocupados, e não vou mandar ninguém sair para alojá-la. Nem quero essa mulher perambulando pela minha propriedade depois do que ela fez. Não tenho tempo para ficar de carcereiro, por isso deixo também isso a seu cargo. Ficarei com a sua palavra também a respeito disso, de que a manterá por perto e se certificará de que ela permaneça aqui até o juiz de paz chegar. Que assim seja, então, já que insiste. Agora pode ir embora. Foi uma ordem calma, mas com uma autoridade tal que o estalajadeiro se voltou imediatamente para a porta. Na saída, as pessoas começaram a dispersar, abrindo caminho. Você também, Hawkeswell, indicou lord Sebastian. Preciso de privacidade. Peço também a sua discrição, não que espere que seja de grande ajuda. Deve compreender. Concedo ambas de bom grado. Também tenho uma camisa a mais na minha bagagem. Vou mandar para você. Fez uma pequena mesura a Audrianna e saiu do quarto seguindo o estalajadeiro.
Lord Sebastian fechou a porta para afastar os retardatários que persistiam em espiar perto da ombreira da porta. Em seguida aproximou-se do fogo e examinou mais atentamente o ferimento. Por que ficou tão preta?, perguntou Audrianna. Pólvora quente. A bala só me tocou de raspão, mas fiquei bem chamuscado. Voltou-se para ela. O seu nome. Preciso dele agora, e não pense em mentir. O juiz de paz o arrancará de você com certeza, e nem pense que vou continuar sem saber o que se passa aqui. Ela estava assustada e consternada demais para mentir. Sou Audrianna Kelmsleigh, filha de Horatio Kelmsleigh. Ele ficou perplexo. Vi uma mensagem no jornal de alguém que se autointitulava Dominó e parecia ser para o meu pai, explicou ela. Eu vim, para ver se o homem tinha informação que pudesse limpar o seu nome. Tudo aquilo havia parecido tão certo, tão necessário, no dia anterior. Porque está aqui?
Também vi o anúncio, e também tive esperança de falar com o tal Dominó. Porquê? Meu pai está morto. O mundo seguiu em frente. Acho que há algo mais nessa história. Não vejo como poderia obter informações do Dominó fingindo ser o próprio Dominó. A minha intenção era fingir ser o Kelmsleigh. Quando presumiu que eu era Dominó, decidi entrar no jogo e descobrir quem era aquela mulher inesperada, e que papel desempenharia no esquema geral. Esquema geral? Então alguém abriu a porta. Uma criada trouxe uma bacia e um balde de água. Colocou alguns panos limpos sobre a cama. Um cavalheiro pediu-me que trouxesse também esta camisa, explicou, colocando-a de lado. Deu uma boa olhadela a Audrianna e saiu apressada. Lord Sebastian pôs o balde perto do fogo. Sentou-se na cama, despiu o colete e depois tirou a camisa rasgada. Fez uma careta de dor quando o tecido roçou na ferida. Audrianna piscou os olhos repetidamente, espantada mais um vez. Aquele homem não tinha nada que o cobrisse. Estava ali sentado, preocupado com o ferimento, sem roupa, meio nu na verdade. Não parecia achar nada estranho que ela estivesse sentada ali mesmo ao lado dele.
Nunca vira um homem sem camisa. Tentou fingir uma indiferença espontânea, mas não pôde evitar reparar que, se uma mulher tinha de ver um homem meio nu pela primeira vez na vida, lord Sebastian não era um mau começo. Já não era rapaz, mas ainda possuía a firmeza ágil da juventude, que não interferia nos músculos que definiam o peitoral. Vou precisar dessa cadeira, miss Kelmsleigh. Se não se importar. Ela soltou-a num salto. Ele agarrou o móvel pelo encosto, posicionou-o à frente da lareira e sentou-se. Com a água quente e sabão, começou a limpar o corte que tinha no braço. Supunha que aquilo devia doer, mas ele não mostrava reacção alguma. Talvez não estivesse tão indiferente à sua presença como parecia». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT