domingo, 7 de maio de 2017

A Cruz, a Espada e a Sociedade Medieval Portuguesa. Sidinei Galli. «A existência de comunidades monásticas na região que veio a se constituir no Reino de Portugal remonta do tempo dos suevos…»

jdact e wikipedia

A Religiosidade e o Reino
«(…) Nota-se que a observação de Marcel Pacaut refere-se a um caso singular de monasticismo e que a verdadeira organização monástica ocorre, nos meados do século VI (534), com o crescimento da Regra de São Bento de Núrcia. Jacques Boussard diz que, em fins do século VII, a expansão dos mosteiros beneditinos é uma decorrência quer da crise do monasticismo de tipo irlandês, trazido por São Colombano, quer da pouca praticidade da regra. Enquanto isso, a Regra de São Bento, afastada de sua forma original, porque imbuída de valores ascéticos e da espiritualidade de São Cesáreo, converteu os germanos e favoreceu a crescente difusão do movimento. Desde então, os mosteiros passaram a buscar evangelização das regiões em que actuavam, difundindo o culto paroquial, a liturgia renovada, o estudo e o trabalho manual.
Comentando a adopção da Regra de S. Bento pelos mosteiros peninsulares, J. Mattoso ressalta a íntima união entre a penetração da reforma monástica na Hispânia e a abertura desta região às instituições políticas e culturais. O monasticismo ibérico ampliou-se no período da dominação visigótica. A existência de comunidades monásticas na região que veio a se constituir no Reino de Portugal remonta do tempo dos suevos e, mesmo muitos conventos pertencentes ao Minho e à Beira, são justificados por documentos que datam dos séculos IX a XI. Durante o domínio da monarquia visigótica, o clero desfrutava de invejável situação, autoridade sobre os actos civis, superintendência dos magistrados (incumbência dos bispos). Esta posição do clero perdurou até à dominação árabe e renovou-se quando surgiram as monarquias cristãs na Península Ibérica. O seu prestígio encontra explicação no facto de ele pertencer à classe detentora de imensos domínios (latifúndios), ser culturalmente superior, além de beneficiário da fé religiosa dos povos.
Acresce a isso a autoridade e prestígio do papa, papa qui et ecclesia dici potest. Fortunato Almeida põe em destaque essa proeminência do clero, no período visigótico. A lei dos visigodos não é uma lei bárbara; evidentemente é redigida pelo filósofos do tempo, pelo clero. Encerra muitas ideias gerais, teorias e teorias inteiramente estranhas aos costumes bárbaros. Assim a legislação dos bárbaros era uma legislação pessoal, isto é, a mesma lei só se aplicava aos homens da mesma raça... Mas a legislação dos visigodos não é pessoal, é territorial. Todos os habitantes da Espanha, romanos ou visigodos, estão sujeitos à mesma lei... Numa palavra, toda a lei visigótica tem carácter sábio, sistemático, social. Sente-se nela a obra do clero que predominava nos Concílios do Toledo e tão poderosamente influía no governo do país (...).
A estreita colaboração dos poderes civil e religioso e a subordinação do rei ao Concílio caracterizam a Igreja visigótica até à chegada dos muçulmanos no início do século VIII. Na tradição visigótica, os bispos eram eleitos nos concílios e, algumas vezes, nomeados pelos reis, sob a influência do clero ou dos nobres da corte. Os concílios eram convocados pelo rei, por exemplo, como o VIII Concílio de Toledo. Os bispos não tinham autoridade para se reunirem sem a autorização do monarca. O rei, a ordem eclesiástica e os nobres da corte eram os componentes das reuniões conciliares. A ordem clerical tinha como membro mais importante o bispo, vindo, a seguir, o vigário e o abade. Os vigários substituíam os bispos nos concílios, quando estes não pudessem comparecer. A partir do Concílio VIII, começaram a assistir os concílios, por direito próprio, os abades dos mosteiros, direito que alcançaram pela superioridade de cultura intelectual e pelo prestígio moral de que o monocato gozava naquele tempo.
As monarquias cristãs ibéricas foram influenciadas pela tradição visigótica, que não se manteve imune a algumas alterações. No século XI, os papas excluíram os leigos da eleição episcopal. A grande mudança no sistema eleitoral eclesiástico, porém veio no século XII, quando o colégio de cardeais passou a eleger o papa e os cónegos, o bispo. Era costume insinuarem ou pedirem os reis de Portugal aos cabidos a pessoa em quem devia recair a eleição; mas o pedido não obrigava os cónegos a escolherem o indicado pelo Rei. Esta mudanças foram confirmadas pelos pontífices no IV Concílio de Latrão (1215)». In Sidinei Galli, A Cruz, a Espada e a Sociedade Medieval Portuguesa, edição do Autor, História, volume 28, Universidade Aberta, Editora Arte e Ciência, Biblioteca da FCL, 1997.

Cortesia da UAberta/JDACT