domingo, 16 de abril de 2017

Uma Mulher que não Abriu Mão do Poder. Isabel Stilwell. «És filha do imperador das Espanhas e da senhora do Bierzo. Nunca te esqueças disso»


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Três Irmãs na Corte de Leão (1086-1094)
S. Pedro de Montes, Bierzo, Abril de 1086
«(…) Teresa respirou fundo, aquele respirar fundo que a mãe repreendia sempre: Teresa, pareces um boi a soprar pelas narinas, deixa-te disso, e calou-se. Elvira queria consolá-la, mas que podia dizer? Por muito ouro e terras que Ximena doasse aos conventos, por muito poder que a ligação ao imperador lhe trouxesse, o padre na prédica de domingo dizia vezes sem conta que os filhos não podem nascer forra do casamento. A alma da mãe estava em perigo, e quando Elvira fechava os olhos à noite via-a arder nas labaredas do Inferno, e ficava ali horas e horas a olhar o tecto até que segurava contra si o corpo quente de Teresa, que dormia serenamente ao lado, e finalmente adormecia. Teresa pareceu ler-lhe os pensamentos, e repetiu-lhe o que Ximena tantas vezes lhes dizia: levanta a cabeça quando andas. És filha do imperador das Espanhas e da senhora do Bierzo. Nunca te esqueças disso.
Atravessaram o arco no muro da horta do Mosteiro de S. Pedro de Montes, e entraram pela porta de acesso às cozinhas, uma porta pesada de madeira que rodava com ruído nos gonzos, sempre aberta para que os irmãos menores pudessem ir deitar os restos aos porcos e às galinhas, e aos pobres... A correr em bicos de pés, procurando não dar nas vistas, as irmãs subiram à torre alta, do lado esquerdo da igreja, onde a senhora do Bierzo se hospedava em S. Pedro de Montes. A ama recebeu-as aos gritos, agarrando Teresa pela gola da capa e abanando-a furiosa: não vos tinha dito que hoje não havia saídas? E Teresa, o que faz outra vez com essa espada, não sabe que só a pode usar durante as lições? As infantas nem tentaram protestar, deixando-se enfiar na tina de água morna onde a criada as lavou com sabão de azeite e cinzas, até quase lhes arrancar a pele. Menina Teresa, deixe essas mãos de molho, ouviu? Olhe para essas unhas?!
Teresa, com os olhos a arder do sabão, ainda respigou. A ama inspirou fundo. Não podia dizer que não sabia a quem a infanta saía, tanto o pai como a mãe só faziam o que queriam. Teresa, com o corpo esguio, a pele imaculada, os olhos verdes realçados por pestanas longas, não demoraria muito a saber usar a beleza a seu favor. A determinação faria o resto. E se estivesse caladinha e fizesse como a sua irmã, que já está vestida e pronta? Elvira deixava que a criada lhe deitasse umas pingas de limão no cabelo para o tornar mais sedoso e fácil de pentear. Vestida com uma camisa de linho, coberta por uma túnica de burel, presa acima do ombro direito por um alfinete de pedras preciosas, os sapatos de bico de um couro de cordeiro fino, estava linda. Teresa lançou-lhe um olhar misto de inveja e orgulho. Ama, achas que o meu pai vai gostar mais dela?, perguntou, baixando a voz.
A ama envolveu-a na toalha para a secar, beijando-a de fugida. Aquela sua menina era sol e lua, trovão e brisa. Afagou-lhe os cabelos com ternura, se a soubessem levar seria leal até à morte». In Isabel Stilwell, D. Teresa, Uma Mulher que não Abriu Mão do Poder, Editorial Presença, Letras e Diálogos, Manuscrito, 2015, ISBN 978-989-881-802-7.
Cortesia de EPresença/LeDiálogos/Manuscrito/JDACT