terça-feira, 4 de abril de 2017

Soberanos Destronados. Sancho II de Portugal. Américo Faria. «Paio Peres Correia, por seu turno, foi-se a Tavira, tomando-a após desesperada resistência moura»

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«(…) Censurava-se abertamente a sua acção como reinante, fazendo-se disso a mais descabelada propaganda junto da parte consciente da nação. Aliciavam-se adeptos valiosos para o partido da oposição, que se avolumava cada vez mais. A espaços, o país vibrava ainda com os seus feitos de armas. Duas expedições militares efectuadas em 1238 e 1239, contra Mértola, Alfajar de Pena e Ayamonte, uma, e contra Cacela, outra, coroadas ambas, com assinalável brilhantismo, pela conquista dessas povoações, electrizaram de entusiasmo a opinião pública.
Paio Peres Correia, por seu turno, foi-se a Tavira, tomando-a após desesperada resistência moura. O rei, contudo, se se distinguia como capitão de tropas, errava por tibieza como chefe político do país e esta circunstância fazia esquecer aquela.
Os restos de prestígio que o aureolavam prestes se diluíram com o casamento desigual que celebrou com a viúva de Álvaro Peres Castro, dons Mécia Lopes de Haro, filha de fidalgo biscainho Lopo Dias de Haro. Não lhe levaram a bem os detractores tal casamento, tanto mais que Sancho II amoleceu nos braços da mulher o seu temperamento de guerreiro. Nada havia, agora, que o impusesse à admiração nacional e, naturalmente, os inimigos trataram de explorar a situação a seu favor.
Trabalhava-se activamente para o derrubar do trono. O monarca aprendeu à sua custa quanto era terrível e clamava vingança o espírito implacável dos adversários da sua pessoa. Gregório IX tinha morrido, 1241; e Inocêncio IV, após duas semanas de Celestino IV exercer o cargo, sucedera-lhe. As dissenções de Frederico II, imperador da Alemanha, com aquele, continuaram com este. Inocêncio, perseguido, e expulso da Itália pelo imperador, repelido de França por S. Luís, e de Espanha pelo rei de Aragão, acolheu-se à cidade de Leão, onde logo tratou de reunir um concílio para depor Frederico. Lá se apresentaram, entre os delegados de Portugal, o arcebispo de Braga, o bispo de Coimbra e os outros descontentes, e o papa juntou à deposição do imperador da Alemanha a de el-rei de Portugal.
Os adversários de Sancho II tinham enfim conseguido o que pretendiam. Para tanto, forjaram repugnantes maquinações em que tomou parte saliente o próprio irmão do monarca, Afonso, o Bolonhês. Este, procurando em Paris, onde residia pelos aludidos prelados, com eles celebrou um tratado deprimente para a coroa.
Que importavam as condições acordadas, se o infante não pretendia respeitá-las? O que o interessava de imediato era apossar-se do trono, de qualquer modo, mesmo em prejuízo do irmão, seu legítimo possuidor. Depois, na sequência dos acontecimentos, se veria o que havia a fazer...
Sancho II, assinala um escritor, era um rei inábil, sem dúvida. Deixara que se cometessem violências que até certo ponto justificavam as reclamações eclesiásticas. Com valimentos pouco acertadas, descontentara muitos fidalgos e levantara grandes discórdias na corte». In Américo Faria e Herdeiros, 1958, Dez soberanos destronados, Grandes Soberanos Destronados, Edições Parsifal, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-8760-00-5.

Cortesia de Parsifal/JDACT