sexta-feira, 14 de abril de 2017

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria Violante Branco. «Não devemos, talvez, esquecer-nos de que, pelo menos durante os séculos XII e XIII, a idade adulta começava para estes rapazes aos 14 anos, pelo que 10 anos de idade…»

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A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) A partir de 1168, a aliança que faz com os almóadas, por intermédio do seu nobre Fernando Rodrigues Castro, junto com uma reaproximação com o futuro rei castelhano, parece terem-lhe dado a segurança de que necessitava para de novo quebrar a precária paz que selara pelo casamento com Urraca Afonso. E assim, a espiral de desentendimento e rivalidade entre os dois monarcas, potenciada pelas conquistas de Afonso Henriques e Geraldo Geraldes no Alentejo em regiões onde os interesses de Fernando II também eram relevantes, só iria parar de rodopiar em Badajoz...
Não se pode esperar que um Sancho I ainda demasiado jovem para se aperceber dos jogos de intriga política que neste contexto se disputavam pudesse ter tido, em 1158, qualquer grau de consciência real dos perigos que tinham afectado o reino português no rescaldo de Sahagún, nem da tensa e complicada situação que a partir daí iria pautar as relações entre os reis peninsulares. Mas não podemos pretender que o mesmo continue a ser verdade nos meados da década de 60, quando, atingida a idade de 10 anos, o encontramos já em Coimbra e até acompanhado por um chanceler privativo da sua casa. Não devemos, talvez, esquecer-nos de que, pelo menos durante os séculos XII e XIII, a idade adulta começava para estes rapazes aos 14 anos, pelo que 10 anos de idade nesses tempos não podem ser encarados com os nossos olhos de hoje em dia. É inegável que o mundo das maioridades e menoridades medievais não pode ser visto à luz dos nossos conceitos actuais. Por isso mesmo, parece improvável conceber que durante os anos que mediaram entre o seu nascimento e 1169 o futuro rei pudesse ter crescido sem que o relato, as consequências e a memória de acontecimentos tão importantes não tivessem penetrado os momentos que presenciava ou em que eventualmente participava na corte do rei seu pai, ou os momentos em que os membros da sua casa e seus próprios conselheiros já começariam a introduzi-lo nas doutrinas em que um jovem príncipe deveria ser ensinado.
Não é razoável partir do princípio de que Sancho nunca se tivesse apercebido de assuntos de importância tão capital para o futuro governo do reino que deveria herdar, ou que aqueles encarregados de o guiarem na sua educação e aprendizagem como futuro rei não se tivessem preocupado em começar a doutriná-lo, sobre os assuntos que enformariam seguramente as preocupações que teria de encarar quando ascendesse à dignidade régia. Embora pareça irrealista imaginarmos um Sancho I criado completamente à margem dos acontecimentos fulcrais desses anos centrais do século XII, quer a nível da política externa, em relação aos reis vizinhos e às nobrezas que alimentavam as numerosas clientelas respectivas, quer em relação ao esforço de conquista que seu pai estava a levar a cabo e problemas que essa política acarretava, não poderemos nunca avaliar qual o grau de familiaridade que o jovem Sancho teve com todos esses importantes desenvolvimentos.
O mesmo se diga do grau de consciência que o infante poderia ter da relevância das querelas eclesiásticas que na época lavravam com tanta violência, ou da tentativa de fazer reconhecer o reino de Portugal em Roma, com as repercussões que qualquer destes assuntos poderia vir a ter na sua vida quando ascendesse ao trono. Por muito jovem que o infante fosse, não poderia, nos anos centrais da década de 60 do século XII, ter sido alheio ao fervilhar das questões acima mencionadas, no agitado ambiente de Coimbra, nem às estruturais alterações que se previa pudessem estar a ponto de acontecer. Havia uma outra dimensão no relacionamento de seu pai com os restantes reinos peninsulares, cuja relação com os sucessos a nível político era inegável e que não pode ter passado desapercebida ao infante. Trata-se da querela que se gerou em torno do primado das Hispânias, a qual se desenvolveu muito mais no contexto alargado da política peninsular e europeia, dos inícios do século XII do que no das questões eclesiásticas puras. A questão do primado das Hispânias é um exemplo acabado de como a política eclesiástica e a política temporal não eram separáveis, nessa Hispânia undecentista, e como a tentativa de converter a rede de sufragâneas dos arcebispados num esboço de igrejas nacionais, acaba por parecer estar sempre na raiz dos problemas. A querela tem os seus fundamentos na forma de conceber a relação dos reis peninsulares com o território reconquistado e com a estruturação da hierarquia da Igreja nesse mesmo território». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT