sábado, 8 de abril de 2017

Novas Cartas Portuguesas. Maria Barreno, Maria Horta, Maria Costa, (As Três Marias). «Faminta te darás avessa te conheço a deixares embora sem desgosto que alguém te possua pelo corpo»

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Novas Cartas Portuguesas. Ou de como Maina Mendes pôs ambas as mãos sobre o corpo e deu um pontapé no cu dos outros legítimos superiores

[…]

Tu tens intacta a ordem na figura da carne

e recuado gesto

ordem da pedra imposta e recortada

transparecente ou de vedada cor

safira seixo colina rosa aurora

só a fala areada te desgasta.


Ouves



como as águas maninhas te corroeram porte

e nome de isabel contorna ilha coral alto

e a detém.



Antes azálea foras

flor de pedra o nome e arredio.

Não por inerte mole entendo que chegaste

ou te devolvo

perigas onde o suporte é estreito

e sulco fere o acto separado

contigo o tempo exacto gasta-te tem por vã o olho astuto sílex

talhando no polido face e aresta rosácea

despojo posto em guarda pacto sombra

desmerecida a rocha iluminada.



Ouve Isabel por baças e antigas

como de pedra luz são escassas as que estão

e dão sinal

consente o que moldado está por belo

a carnadura suave e alevantada». In 6 de Março de 1971



Fátima

Fadada foste ao gesto e à

palavra

o corpo tão daninho que te habita

mulher que não domaste e te desgosta

maina te possui

plácida escondida



Escassa é a medida

em que te evitas

e nunca saciada ao próprio espanto

quebras

nela o risco

em ti o que persiste no metal luminoso

em que te encerras



Não é pois já em ti

que o sol tem o bronze

mas antes nela o som a prata trabalhada

a luz que lembra a forma e no poente

enterra até ao fundo a sua faca



Se tens domada a raiva

no seu gume

tão fêmea tu e firme na febre

debruçada

atenta és à pele onde suspendes

os dedos na pressa da voragem



Que abandonada estás

fátima por ti

e bem-amada

Vingada vens do tempo

e a venceste

tão bem-talhada ao peito

em que a criaste

no maneio de anca nas coxas que crispaste

a ladear a cama em que a perdeste



De sede fátima devoras a firmeza

e tão fecunda ou dor

tornaste a tua fala

que és teu próprio alimento e teu sustento

na solidão imensa em que

resvalas



Que maina foste

mulher que te mantém

maldição de terra envenenada

intacta suspeita e boca amena

cintura branda

joelhos-madrugada



Se mágoa desmanchas fátima

em segredo

como quem borda o pano sobre as nádegas

a camisa descansas costurada

por mãos que maina recusava

a só estar presa



O nojo conheceste e o mordeste

o trocaste em fruto de paisagem

na rua desenhada

que escolheste

para gerares futuro em tua casa



Que abandonada estás

fátima por ti

e bem-amada




avessa te conheço

a deixares embora sem desgosto

que alguém te possua pelo corpo

se caça fores somente e de seu preço

teres de ceder à arma a linha do pescoço



Pecado de mudez que não

a tua

só maina na herança de outras vozes

nunca pactua



Malquerença que descobres

brevemente

talvez ferida fátima ou ferro fátuo

que de manso o Verão te chega aos nervos

e nunca o mar obrigas sob os braços

nas tão breves arestas de alegria

que tu alheia usas sobre o fato



Fadada foste então

à luz

e às secas margens

aos lisos gestos tão fiéis a maina

que áridos parecem mas não fáceis

de ti te distancias

e a medida é justa

como se de roupa fátima te fosse executada

à água



Maligna pois te habita maina

ou tu te habitas Fátima

em palavras». In 11 de Março de 1971



In Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN 978-972-204-011-2.

Cortesia PdQuixote/JDACT