sexta-feira, 21 de abril de 2017

Macau Histórico CA Montalto Jesus. «O procurador era, ao mesmo tempo, tesoureiro colonial, superintendente das Alfândegas e director dos Serviços Públicos»

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«(…) A pseudo-embaixada foi recebida com grande pompa; e, conduzidos à sala dourada do palácio vice-real, os humildes estrangeiros depuseram os presentes ante o velho magnata que exultante de satisfação, aceitou os adornos e os cristais, na condição de os pagar no acto da entrega, ainda que depois, em privado, desse a entender que o dinheiro se destinava a mais presentes. Como se esperava, não havia necessidade de mais justificações. Que os portugueses permaneçam em Macau, bons e leais amigos, disse o vice-rei, que se governem o si mesmos como até aqui e obedeçam aos mandarins. O motivo por que os portugueses não reivindicaram os seus direitos é explicado em Oriente Conquistado a Jesu-Christo: tão dependente estava Macau dos mandarins que bastava estes cortarem as provisões e os portugueses não poderiam manter-se no local. O expediente, contudo, resultou satisfatório tanto para a colónia como para os jesuítas e, zeloso como era Macau pelo trabalho de evangelização, foi com grande alegria que o competente Ricci começou a fundar a missão que, científica ou religiosamente, resultou tão gloriosa para o prestígio ocidental na China. Para a precária colónia o sucesso dos jesuítas foi uma dádiva de Deus, de tal maneira dependia do seu tacto e da influência que eles, em breve, viriam a adquirir sobre os mandarins.
Entretanto, chegaram a Macau, em 1582, as tristes notícias de que, em consequência da morte do monarca Sebastião na desastrosa batalha de Alcácer Quibir, a coroa de Portugal havia sido usurpada, em 1580, por Filipe II de Espanha. Ao mesmo tempo, Gozalo Ronquillo, governador de Manila, enviou um emissário jesuíta, Alonso Sanchez, para promover a aclamação do novo monarca em Macau, onde chegou após um naufrágio e subsequente detenção na China. Deparando-se-lhe um ardente e inquebrantável patriotismo, o emissário usou de grande circunspecção ao relatar o cruciante desastre sob a suave aparência da união das coroas de Portugal e de Espanha. Primeiro, assegurou o assentimento do clero e das autoridades. Depois, dirigiu as suas eloquentes exortações aos fiéis patriotas. Por fim, a colónia, seguindo o exemplo da desgraçada pátria e das demais, tristemente jurou vassalagem ao rei castelhano.
Mas enquanto um jesuíta administrava suavemente o jugo, outro lutava patrioticamente para colocar a colónia fora do alcance dos governadores espanhóis. Por desejo do bispo Belchior Carneiro os colonos reuniram-se, em 1583, para deliberar sobre qual a forma de governo que melhor se adaptaria às novas circunstâncias. A assembleia, presidida pelo digno prelado, decidiu a favor de uma administração senatorial baseada nos privilégios municipais adquiridos, nos dias de antigamente, por concessão real a várias cidades de Portugal. Por isso, o Senado de Macau instituiu-se com a sanção de Francisco Mascarenhas, vice-rei da Índia.
A eleição do Senado era trienal. Todos os portugueses residentes em Macau tinham direito a voto. Convocados pelo ouvidor, os residentes reuniram-se e por votação escolheram seis eleitores. Depois de terem legalmente jurado os seus cargos, estes organizaram-se em três grupos, entre os quais não podia haver qualquer relação. Recolhidos na casa do Senado, cada grupo redigiu uma lista de vinte e um cidadãos elegíveis para as honras de senador. O ouvidor, promotor de justiça, compilou numa só os nomes das três listas eleitas e enviou-a ao vice-rei de Goa, que novamente organizou três listas e as devolveu a Macau, em sobrescritos selados, para que no final do último ano de cada triénio fosse aberto um deles. Cada lista continha a nomeação de dois juízes, três vereadores e um procurador, os senadores. A presidência cabia alternadamente aos vereadores. Os juízes exerciam a sua jurisdição em casos sumários sujeitos a apelo ante o ouvidor ou o Tribunal Supremo de Goa, presidido pelo vice-rei, cuja decisão era definitiva. O procurador era, ao mesmo tempo, tesoureiro colonial, superintendente das Alfândegas e director dos Serviços Públicos, assim como o representante do Senado em todos os assuntos relativos aos chineses. Em questões importantes os homens-bons, como eram chamados os ex-senadores, o capitão-de-terra, o bispo, o clero e os cidadãos em geral eram convocados a deliberar com os senadores sobre as medidas a adoptar, sendo tal assembleia chamada Conselho Geral». In CA Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, colecção História, 1ª edição em português, 1990, Livros do Oriente, Macau, Fundação do Oriente, ISBN 972-941-801-2.

Cortesia se LdoOriente/JDACT