quarta-feira, 12 de abril de 2017

Contos Proibidos. Rui Mateus. «Em 1964, com Ramos Costa e Tito Morais no exílio, e os grupos de Lisboa, do Porto e de Coimbra, animados por homens como José Magalhães Godinho…»

jdact

Os anos da inocência, 1944-1974
«(…) A precursora do Partido Socialista não tinha qualquer passado histórico. Nascera na década de 60 um pouco com o quem regista uma patente por iniciativa de um grupo de conspiradores de operacionais na sua maioria ligados à Maçonaria, e de alguns teóricos influenciados pelo PCP, como foi o caso de Salgado Zenha e do próprio Vitorino Magalhães Godinho. A evolução teórica do movimento, mais de três décadas após a sua constituição, é assim essencialmente caracterizada mais por razões empíricas de conveniência dos seus operacionais do que pelas teses dos seus ideólogos ou pelos princípios doutrinários que emanam do socialismo democrático. Esta caracterização, que viria a ficar célebre quando o líder da oposição, Francisco Sá Carneiro, acusou o então primeiro-ministro Mário Soares de meter o socialismo na gaveta com a finalidade de se manter no poder através de uma coligação com o partido democrata-cristão, CDS, verifica-se frequentemente na prática seguida desde 1964. Seria mesmo motivo de algum desdém por parte dos sociais-democratas norte-europeus que consideravam verdadeiramente ridícula a constante necessidade de demarcação dos socialistas portugueses em relação à social-democracia, a cuja família queriam pertencer embora afirmassem ser socialistas democratas e não sociais-democratas. Era um maneirismo influenciado por François Mitterrand, que a Internacional Socialista considerava uma expressão de retórica e pura hipocrisia, com o objectivo de parecerem mais progressistas aos olhos do mundo. Era aliás um sintoma típico do Sul da Europa, que um proeminente político norte-americano, anos mais tarde,comentaria com ironia, em termos semelhantes aos de Sá Carneiro.
Mas não obstante a subtil distinção e a demarcação progressista dos seus principais dirigentes, a verdade é que a adesão dos socialistas portugueses à Internacional Socialista representa o ponto mais alto do movimento no período que antecedeu o 25 de Abril de 1974. Na história do PS, a sua filiação internacional sobressai destacadamente da manifesta pobreza do seu passado. O PS, sobrevivente apagado dos anos 30, que não resistiu, como organização autónoma, à repressão e clandestinidade, que no final da Segunda Grande Guerra era constituído apenas por um pequeno grupo de abencerragens, sem qualquer influência real no País.
Em 1964, com Ramos Costa e Tito Morais no exílio, e os grupos de Lisboa, do Porto e de Coimbra, animados por homens como José Magalhães Godinho, Gustavo Soromenho, Raul Rego, Salgado Zenha, José Ribeiro Santos, Catanho Menezes, António Macedo, Mário e Carlos Cal Brandão, Álvaro Monteiro, Costa Melo, Fernando Vale, António Arnaut, António Campos e mais uma escassa centena de esforçados militantes, espalhados pelo País, formou-se a Acção Socialista Portuguesa. Iniciaram-se então os primeiros contactos internacionais. Em 1969, na falsa primavera caetanista, a ASP dinamizou uma campanha eleitoral semilegal e completamente frustrante, a CEUD. Era apenas um embrião. Porém, em 1972, no Congresso de Viena, a ASP é admitida como partido membro na Internacional Socialista. De 1964 a 1972, e mesmo até 1974, só dois acontecimentos de relevo, ambos influenciados do exterior, teriam lugar na história do movimento: a entrada na Internacional Socialista em 1972 e a fundação do Partido Socialista em Bad Munstereifel, na República Federal da Alemanha, em 1973, sob os auspícios da Fundação Friedrich Ebert. Pelo meio só a frustrante dinamização da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática em 1969. No entanto, esta filiação, quer pela ausência de suporte popular de movimentos de cariz socialista quer pela sua evidente falta de credenciais ideológicas, seria vital para a sobrevivência do Partido Socialista. À sua volta iriam desenrolar-se as principais e quase únicas actividades do movimento socialista português. Manuel Tito Morais e Francisco Ramos Costa seriam os elementos chave para o lançamento internacional quer da ASP quer do PS e foi por seu intermédio que Mário Soares veio a estabelecer as suas primeiras relações internacionais pelo menos na área da esquerda. Apesar dessa realidade, subsistia um complexo de inferioridade dos dirigentes socialistas em relação ao PC, que os levava a fazer declarações mais para agradar à esquerda festiva pequeno-burguesa e sem qualquer noção dos acontecimentos históricos em que participavam (Tony Benn (The End of an Era - Diaries 1980-1990, p. 108, Arrow Books, Londres, 1994, diria, após um encontro com Mário Soares em Lisboa, tê-lo achado, ao contrário do que esperara, um pobre vaidoso sem uma verdadeira noção dos acontecimentos históricos em que participava)». In Rui Mateus, Contos Proibidos, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1996, ISBN 972-20-1316-5.

Cortesia de Dom Quixote/JDACT