domingo, 8 de janeiro de 2017

Salvação e Memória de Três Donas Coruchenses do século XIV. Maria Ângela Beirante. «Procurámos, nas chancelarias de Dinis e de Afonso IV, referências a personagens possivelmente aparentadas com a instituidora e verificámos que o nome Simão e o respectivo patronímico eram, à época, relativamente comuns»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A testadora era ainda parente de Maria Eanes, viúva de Mestre Julião, que foi sobrejuiz do rei Dinis I, o que prova a sua proximidade em relação às esferas do poder. É inequívoca a ligação de Maria Raimundo a Santarém, nomeadamente ao convento das clarissas, sendo uma delas, Maria Dias, expressamente contemplada no seu testamento. Nas primeiras décadas de Trezentos, era também dona de Santa Clara, Maria Martins de Coruche, filha de Martim de Coruche, proprietário em Santarém, mas desconhecemos se entre elas existia alguma ligação familiar (a mesma dúvida subsiste em relação a Maria Raimundo, dita Lagoa, que, em 1343, era proprietária de uma herdade nos Bairros de Santarém, confinante com a propriedade de João Eanes de Coruche, reposteiro de Afonso IV). Ao contrário do testamento de Maria Raimundo, o de Maria Simões é muito parco em informações de carácter biográfico. Diz-nos que é viúva de Fernando Afonso Baveca, mas não lográmos identificar tal personagem. Embora a sua capela se destine também a sufragar as almas dos seus progenitores, nada nos diz sobre as suas identidades. Sabemos, no entanto, que é tia de Estêvão Esteves, clérigo raçoeiro de S. Mateus de Santarém, que lhe notou o testamento e foi nomeado seu testamenteiro e capelão.
Procurámos, nas chancelarias de Dinis e de Afonso IV, referências a personagens possivelmente aparentadas com a instituidora e verificámos que o nome Simão e o respectivo patronímico eram, à época, relativamente comuns. Entre os portadores mais destacados contam-se João Simão, mordomo de Dinis I; João Simão, sacador dos dinheiros das casas e tendas do rei Afonso IV, em Lisboa; ou ainda Simão Martins, notário deste rei; ou mesmo Vasco Simões, tabelião do Ribatejo. Nenhuma destas informações nos permite estabelecer correlações entre a instituidora e os homónimos seus contemporâneos, mas é possível conjecturar que Maria Simões, com uma fortuna relativamente pequena, pertencia ao estrato superior da cavalaria vilã, com possíveis ligações com a classe do tabelionado e dos técnicos da escrita. Não sendo, ao que parece, natural de Coruche, visto que não se declara vizinha, mas apenas moradora, está perfeitamente radicada na vila. Vive na paróquia de S. João e pertence à confraria de S. Brás (porque os seus bens, nomeadamente a albergaria e o hospital, foram integrados no património da Misericórdia). Viveu o medo da peste negra redigindo o seu testamento a 3 de Dezembro de 1348, não por se sentir doente, mas por temor da morte que rondava perto (esta terrível epidemia teria entrado em Portugal por via marítima e terrestre, em finais de Setembro de 1348 ou ainda antes, tendo-se a mortandade prolongado até inícios de Janeiro de 1349).
Maria Eanes Garavinha, pelo contrário, ao fazer o seu testamento, a 19 de Maio de 1394, encontrava-se já doente: de dor que me deos deu. Afirma-se moradora e vizinha de Coruche, viúva de Vicente Gonçalves, filha de João Garavinho e de Margarida Pires e neta de Maria Pires. Ao definir-se como filha de e neta de, não faz mais do que reclamar-se de uma linhagem prestigiada e prestigiante. Contudo, não nos é possível, no estado actual dos nossos conhecimentos, identificar as referidas personagens». In Maria Ângela Beirante, Salvação e Memória de Três Donas Coruchenses do século XIV, Território do Sagrado, Edições Colibri, 2011, ISBN 978-989-689-109-1.

Cortesia de EColibri/JDACT