sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O Amante de lady Chatterley. D. H. Lawrence. «Quando as raparigas vieram a casa nas férias do Verão de 1913, tinha então Hilda vinte anos e Constance, ou Connie, dezoito, o pai percebeu logo perfeitamente que ambas conheciam a experiência amorosa»

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«(…) Ambas tiveram as suas primeiras histórias de amor aos dezoito anos. Os dois rapazes com quem discutiam tão apaixonadamente, com quem cantavam e acampavam debaixo das árvores em completa liberdade, quiseram, é claro, relações amorosas. As raparigas hesitaram, mas era uma coisa de que se falava muito e parecia muito importante. E eles eram humildes e insistentes. Porque era que uma rapariga não se havia de comportar como uma rainha e conceder as suas graças? E assim se deram, como mulheres, cada uma àquele com quem tinha discussões mais íntimas e subtis. As conversas., as discussões, eram o ponto importante. A relação amorosa e a ligação não passavam de um tipo de retorno ao primitivo e constituíam um anticlímax. Depois, começaram a gostar menos dos rapazes, e quase sentiam um pouco de ódio por eles terem violado a sua intimidade, a sua liberdade interior. Evidentemente que toda a dignidade e significado da vida de uma rapariga provinham da posse de uma liberdade absoluta, perfeita, pura e nobre. Que outro significado poderiam ter, para além da rejeição das velhas e sórdidas ligações e submissões? E, apesar de toda a possibilidade de sentimentalismos, a parte sexual constitui uma das mais antigas e sórdidas ligações e submissões. Os poetas que a glorificaram eram na grande maioria homens, e as mulheres sempre tinham sabido que havia alguma coisa de melhor e mais elevado. E agora sabiam-no com maior certeza do que nunca. A bela e pura liberdade de uma mulher era infinitamente mais maravilhosa do que o amor-sexo. Infelizmente, os homens estavam muito atrasados em relação às mulheres nesse ponto! Insistiam na parte sexual como cães esfaimados. E a mulher tinha de acabar por ceder. Um homem era como uma criança com os seus caprichos. Ou a mulher cedia, ou a criança ficava insuportável, e podia destruir e estragar o que podia ser uma relação tão agradável. Mas a mulher podia ceder sem que o seu eu interior, livre, cedesse também, e a este ponto os poetas e os homens que falaram sobre o sexo jamais deram suficiente importância.
Uma mulher podia estar com um homem sem abandono, podia tê-lo sem que ele a tivesse, sem se submeter ao seu poder, e, mais ainda, podia usar o sexo para exercer o seu poder sobre ele. Bastava retrair-se no acto sexual, e deixá-lo terminar e esgotar-se, sem ela ter a sua crise. E então podia prolongar o acto e permitir o seu orgasmo e a sua crise quando ele já não era mais do que um simples instrumento. As duas irmãs tinham tido a sua experiência amorosa na altura em que a guerra rebentou, e tiveram de voltar a Inglaterra apressadamente. Nenhuma delas tinha estado verdadeiramente apaixonada, excepto na medida em que verbalmente estavam muito próximos um do outro, na medida em que lhes interessava profundamente falar um com o outro. A grande, espantosa, profunda. inexprimível emoção, residia na discussão apaixonada com um jovem inteligente, hora a hora, analisando dia após dia, e isto durante meses. Ora isso nunca elas tinham imaginado possível até o viverem! A promessa do paraíso: terás homens com quem falar!, nunca havia sido formulada. Realizou-se antes de a conhecerem. E, depois destas vivas e revitalizantes discussões que penetravam no íntimo de cada um, o sexo era mais ou menos inevitável. Acontecia. Assinalava o fim de um capítulo. Tinha uma emoção também, que lhe era peculiar: uma curiosa vibração corporal, um espasmo final de auto-afirmação, como que a última palavra, excitante, muito semelhante à linha de asteriscos que se põe para indicar o fim do parágrafo e uma interrupção no tema.
Quando as raparigas vieram a casa nas férias do Verão de 1913, tinha então Hilda vinte anos e Constance, ou Connie, dezoito, o pai percebeu logo perfeitamente que ambas conheciam a experiência amorosa. L’amour avait passé por là, como alguém disse. Mas ele próprio era um homem com experiência e permitia que a vida seguisse o seu rumo normal. Quanto à mãe, nervosa e inválida nos últimos meses de vida, só queria que as raparigas fossem livres e se realizassem. Ela nunca o tinha conseguido, isso fora-lhe negado. Só Deus sabia porquê, sendo ela uma mulher determinada e com um rendimento pessoal. Acusava o marido, mas na realidade era devido a uma velha impressão de autoridade que lhe estava gravada no espírito ou na alma e de que não se conseguia libertar. Sir Malcolm, que permitia à sua mulher, nervosa, hostil e corajosa, que se ocupasse dos seus assuntos como ele se ocupava dos dele, não tinha culpa. Assim, as duas jovens eram livres e voltaram para Dresden e para a sua música, para a universidade e para os rapazes. Amavam-nos, e eles amavam-nas com toda a paixão da atracção mental. Todas as coisas belas que eles pensavam, e diziam, e escreviam, pensavam-nas, diziam-nas, e escreviam-nas, para as rapariga. O jovem de Connie era músico, o de Hilda, técnico. Eles viviam exclusivamente para elas, no que respeitava a espírito e a intelecto. Noutros pontos eram repelidos, embora não o soubessem». In D. H. Lawrence, O Amante de lady Chatterley, 1928, Relógio D’Água Editores, Ficções, 2011, ISBN 978-972-708-848-1.

Cortesia de RD’ÁguaE/JDACT