quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Opus Dei. Rui Pedro Antunes. «O Opus Dei aceita membros pobres e desfavorecidos, mas dá-lhes actividades duras, enquanto os abastados sobem na hierarquia de uma forma fulgurante, numa progressão social que faz lembrar, mais uma vez, a Idade Média»

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Eles estão no meio de nós
«Que Deus me perdoe, mas não somos todos Charlie. O fanatismo não está só em jiadistas, nas caixas de comentários das redes sociais ou numa claque de futebol. Há algo de bafiento, fanático e imoral que se esconde numa das mais conservadoras organizações da Igreja Católica: o Opus Dei. A obra de Deus ajuda a que os disparates em nome de uma entidade divina não estejam apenas do outro lado do Mediterrâneo, mas em toda a parte. Ela está no meio de nós. Se não a podemos (nem queremos) vencer, vamos torná-la mais visível. Comecemos por negar, como Pedro. Não, o Opus Dei não é o Daesh nem um albino construído por Dan Brown. Não, o Opus Dei não é uma organização criminosa. Não, o Opus Dei não assassina Papas que não lhe interessam. Já estamos entendidos com os nãos. Mas são os sins que justificam o livro. Espreitemos através da fechadura dos centros, das igrejas e das residências do Opus Dei. O Opus Dei também tem os seus burquínis e o pensamento livre está (muito) longe de ser a prática da organização. Os membros da obra usam mesmo uma espécie de arame farpado na perna duas horas por dia, chicoteiam mesmo as nádegas uma hora por semana, fora outras mortificações corporais de membros não celibatários, como um ajoelhar sobre o milho, após o acto sexual. Séculos depois, ainda há tiques da maior vergonha da Igreja Católica, a Inquisição (maldita), e não são poucos. O terror do Opus Dei contra a cultura não se faz à bala de Kalashnikovs nem pela violência directa contra os outros, embora seja infligida por via de uma quase-lavagem cerebral e promovida uma certa forma de masoquismo, acaba por ser uma decisão individual, mas existe na sombra. Há um guia bibliográfico, uma espécie de índex, que proíbe livros (ou desaconselha, no forçado eufemismo da obra), há membros proibidos de ir ao cinema, ao teatro, de assistir a jogos de futebol, desincentivados a ter conta na redes sociais, a participar em partidos de esquerda, numa lista infindável de limitações de direitos humanos e de livre pensamento. Só somos Charlie se nos indignarmos, se escrevermos, se lermos, se simplesmente dissermos, como tantas vezes em frente à televisão, perante a destruição de Palmira pelo Daesh ou a barbárie do Boko Haram, quando proíbe crianças de frequentarem escolas na Nigéria: não pode ser! E, numa escala diferente e mais benigna, há também muita indignação nas páginas que se seguem, muitos não pode ser.
O Opus Dei tem os seus méritos, com uma obra social invejável em muitos países, mas peca ao querer controlar a mente das pessoas que ajuda. O Opus Dei ajuda a acreditar que a fé move montanhas, mas demonstra que, infelizmente, a fé também move offshores. O Opus Dei aceita membros pobres e desfavorecidos, mas dá-lhes actividades duras, enquanto os abastados sobem na hierarquia de uma forma fulgurante, numa progressão social que faz lembrar, mais uma vez, a Idade Média. Provas? Seguem nas próximas páginas. O prelado nega querer o poder, mas procura-o loucamente tanto na Igreja Católica como na sociedade civil, seja na política, nas finanças ou no desporto. As pessoas da organização (arrisco dizer a esmagadora maioria) são simpáticas, bem-intencionadas e seria injusto tomar todos os membros da obra como malfeitores. Na verdade, poucos devem ser os maliciosos, pois muitos são vítimas de uma armadilha que os prende em nome da fé. Um recrutamento quase sempre feito pela via da família ou numa fase de indefinição da adolescência que os leva a ficarem prisioneiros desta forma de encarar a vida». In Rui Pedro Antunes, Opus Dei, Matéria-Prima Edições, Lisboa, 2016, ISBN 978-989-769-075-4.

Cortesia de MPrima Edições/JDACT