sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Novos dados sobre a paisagem urbana da Santarém medieval (séculos V-XII). A necrópole visigoda e islâmica de Alporão. Marco Liberato. «… huma pedra Romana em que se lê o seguinte Antoniai M.S. Marcianai Anno IXXII, Memórias paroquiais»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) S. Martinho Bispo como informa o pároco da freguesia em 1758. Outra informação contida no mesmo documento reforça esta hipótese, uma vez que regista a existência no adro da igreja de huma pedra Romana em que se lê o seguinte Antoniai M.S. Marcianai Anno IXXII (Memórias paroquiais, volume 33). Obviamente, encaramos a proposta cronológica apenas como sinónimo de antiguidade, certamente induzida pelas características dos caracteres empregues na epígrafe. O que poderá significar que estamos perante uma lápide paleocristã, período em que a data da morte constava frequentemente da inscrição. Já no extremo NE da intervenção arqueológica foi identificado um conjunto de sepulturas cujas características demonstram que se organizou quando a presença visigoda na cidade era já uma realidade. Desde logo pela disposição das sepulturas, com uma irrepreensível orientação E-O, com a face orientada a nascente e organizadas em núcleos. Algumas foram ortogonalmente colocadas lado a lado, num esquema de disposição que poderá significar uma aglomeração com base em laços familiares, típica dos primeiros momentos da colonização germânica, impressão reforçada pela presença de ossários em algumas delas correspondendo, com elevada probabilidade, ao desejo de inumação junto de um parente anteriormente falecido. Ao nível do ritual, surgem indícios de que os indivíduos eram enterrados no interior de caixas de madeira, denunciadas pela presença de grandes pregos de ferro no registo arqueológico. Os adornos recolhidos permitem enquadrar pelo menos dois deles no ambiente cultural e na cronologia proposta: a inumação [640], sepultura [423], fazia-se acompanhar de dois anéis e no interior da sepultura [763], muito embora já não contivesse restos osteológicos, foram levantados dois brincos e uma pulseira em bronze, bem como um colar composto por várias dezenas de contas de âmbar com secção para-oval e corpo aplanado. Uma grande conta em vidro, com estrias exteriores, seria o elemento central desse adorno. O jarro de perfil piriforme proveniente da mesma sepultura, muito embora apresente dimensões mais reduzidas, oferece um paralelo evidente com materiais exumados na necrópole visigoda de Fuentes, Cuenca, datada entre os séculos VI e VII, bem como com a variante 3 da cerâmica funerária de El Ruedo, em Almedinilla. A sua morfologia aproxima-o também de recipientes recolhidos, na cidade de Mérida, em contextos que correspondem a despejos domésticos ocorridos entre os séculos VI e VIII. A presença de espólio votivo em sepulturas cristãs destes períodos foi já interpretada como uma forma de afirmação identitária dos arianos face à restante população cristã, o que colocaria alguns destes enterramentos numa data anterior à conversão de Recaredo ocorrida em 589, mas esta tese não é consensual entre os investigadores». In Marco Liberato, Novos dados sobre a paisagem urbana da Santarém medieval (séculos V-XII), a necrópole visigoda e islâmica de Alporão, Revista Medievalista, Nº 11, 2012, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT