sábado, 22 de outubro de 2016

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «… a Ordem vai procurar actuar politicamente, sobretudo no que respeita ao relacionamento com Castela (como aconteceu a propósito da jurisdição do Algarve»

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A Ordem de Avis e a monarquia portuguesa até ao final do reinado de Dinis I
«(…) De tudo o que fica dito, parece-nos importante reter que a Ordem Militar de Avis foi criada pelo primeiro monarca português para o servir nomeadamente no que diz respeito à guerra contra os muçulmanos. A atitude de Afonso Henriques, aparentemente simples, levanta-nos no entanto algumas questões, sobretudo no que se refere à filiação de Avis em Calatrava. De facto, a ligação de um corpo militar português (ou pelo menos que se pretendia sob controlo do rei) a um congénere de Castela (também ele ligado à monarquia castelhana) podia aparecer como um factor perigoso em caso de guerra entre os dois reinos. Cremos, no entanto, que o monarca procurou assegurar a neutralidade de Calatrava num possível conflito (através da concessão de vários benefícios a uma milícia dela dependente), ao mesmo tempo que, dando a Avis uma regra cisterciense, assegurava uma política de povoamento e defesa dos lugares conquistados. De um modo geral, os sucessores de Afonso Henriques consideravam que a Ordem estava ao seu serviço. E enquanto a Reconquista foi um facto, a milícia respondeu como devia aos apelos dos reis, enquanto aumentava, paulatina mas firmemente, o seu património. Expulsos os mouros do território nacional (bem como do lado ocidental da Andaluzia, onde os cavaleiros de Avis também estiveram presentes), a Ordem vai procurar actuar politicamente, sobretudo no que respeita ao relacionamento com Castela (como aconteceu a propósito da jurisdição do Algarve), conseguindo desse modo assegurar a concessão de benesses por parte dos diferentes monarcas. Com uma força económica cada vez mais forte, e talvez com uma também cada vez maior consciência da protecção que a dependência em Calatrava lhe proporcionava, a Ordem de Avis surge aos olhos dos nossos primeiros monarcas como uma instituição capaz de assegurar o relacionamento político militar com a monarquia vizinha. Daí os esforços empreendidos pelos diferentes reis, nomeadamente por Dinis I, para a eximir da ligação a Calatrava (a primeira confirmação de um Mestre feita não por representantes da milícia castelhana, mas pelo arcebispo de Braga com autorização papal data de 1330, pouco tempo depois da morte do Lavrador), e por exercer de uma forma cada vez mais apertada um controlo sobre a actuação da Ordem.

A eleição do Mestre de Avis nos séculos XIII-XV
Há já alguns anos que as Ordens Militares têm despertado o interesse de um grande número de investigadores. No entanto, na bibliografia até agora surgida têm vindo a ser privilegiadas análises da evolução geral das diferentes instituições e do seu posicionamento em relação a questões político económicas concretas, e não tanto, embora não o esquecendo, o estudo da orgânica de cada milícia e da vida, espiritual ou não, dos freires. No que respeita à Ordem de Avis, que ao longo dos últimos anos tem sido objecto da nossa investigação, para além da documentação relacionada com o seu património, apenas um pequeno número de diplomas permitem uma abordagem ao modo como os diferentes cargos e dignidades se articulavam, assim como a importância dada a cada um deles pelos cavaleiros. De facto, uma análise superficial dos documentos que o Cartório de Avis encerra, pouco mais permite saber do que o nome dos que de algum modo se relacionaram com a Ordem e dos cavaleiros que tiveram a dignidade de Mestre e/ou Comendador ou um dos cargos administrativos e que, por qualquer motivo, viram plasmada no pergaminho alguma referência à sua actuação.
No conjunto dos trabalhos até hoje efectuados sobre a Ordem de Avis, há um aspecto que desde sempre chamou a atenção tanto dos historiadores nacionais como estrangeiros. Trata-se da filiação da Ordem de Avis em Calatrava ocorrida provavelmente nos primeiros anos de existência daquela, em data que não nos foi possível determinar com exactidão. É, no entanto, ponto assente que essa filiação se traduziu pelo menos em visitas, ao longo dos séculos XIII e XIV, da Ordem castelhana à milícia portuguesa. E se para alguns casos apenas possuímos umas poucas referências indicativas da presença de freires calatravenhos em território nacional, tanto no convento de Avis como fora dele, conhecemos com relativo pormenor as visitas de 1238, 1342 e 1346. Ao contrário desta última, que teve como objectivo único corrigir a conduta de um comendador a pedido do próprio mestre de Avis, as duas outras visitas estão relacionadas com as eleições dos cavaleiros que exerceram a dignidade mestral naquela milícia a partir das datas indicadas (respectivamente 1238 e 1342). Os elementos que ambas nos fornecem, tal como algumas referências contidas numa visita de Gonçalo Pereira, arcebispo de Braga, em 1330 e em alguns diplomas relativos à eleição (em 1387) e confirmação (datada de 1390) do mestre Fernão Rodrigues Sequeira, nomeadamente uma petição do Prior do Convento a Urbano VI para que confirmasse o mestre eleito em 1387, permitiram-nos reconstituir o processo que conduzia à eleição e investidura no cargo de um novo Mestre na Ordem de Avis. Antes de expor as questões que a documentação referida nos fez levantar, pensamos que será importante descrever, de uma forma sucinta, o cerimonial que envolvia o acto eleitoral». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT