domingo, 23 de outubro de 2016

Elvas na Idade Média. Fernando Branco Correia. «… a grande “falha da Messejana” que atravessa todo o Alentejo numa diagonal ascendente, sensivelmente no sentido SW-NE (e que desde Odemira se prolonga até cerca de Ávila, em Espanha)»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima (...) Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas (...) E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz caia direito». In Sophia de Mello Breyner Andresen, Caminho da manhã.

«Conhecida por ter Badajoz à vista, a história de Elvas durante muito tempo era quase que exclusivamente lembrada quando se tratava de glorificar o papel desta cidade durante o período da chamada Guerra da Restauração. Contudo, esta terra de fronteira e de fronteiras teve, durante o período medieval, uma existência e uma dinâmica que têm passado algo despercebidas. Da sua fundação quase nada se sabe e a sua integração na coroa portuguesa ainda hoje se reveste de contornos que se não dominam com toda a exactidão. Integrada num território onde não faltam as marcas de ocupações muito antigas, localizada junto a um dos mais importantes rios do sul ibérico, o Guadiana, a cidade de Elvas situa-se numa zona de cruzamento de caminhos e civilizações. Desde tempos pré-históricos que o seu território sentiu o pulsar do movimento dos povos a quem não foi indiferente o valor das suas terras e das suas águas. Porém, só durante o período islâmico é que surge claramente identificada nas fontes escritas, mantendo estreitas ligações com a cidade de Badajoz que vê crescer em frente de si. A sua integração nas terras dos reinos cristãos que se expandem para sul separam Elvas de Badajoz, colocando cada uma delas em reinos diferentes.
Vizinha e por vezes rival, Elvas não deixará de ter o seu quotidiano marcado pela proximidade com Badajoz que sempre estará à vista. É desta cidade de fronteira e de fronteiras que agora se falará, tendo como ponto de partida uma dissertação de mestrado em História Medieval com mais de dez anos. Muito mudou, para melhor, em termos historiográficos. Apesar do tempo passado e das marcas que esse tempo deixou neste texto, não há possibilidade de o alterar em tudo o precisa de revisão. É um texto datado, que passou pelo atento acompanhamento de Maria Ângela Beirante e pela crítica e arguição de A. Oliveira Marques. A ambos estou grato, muito grato. Porém, algumas explicações redundantes foram retiradas e houve actualizações que não se puderam ignorar. Os vários séculos do período medieval cristão foram tratados sem perder de vista a compreensão das continuidades e rupturas em relação ao período islâmico, sobretudo no que diz respeito à paisagem urbana e ao quotidiano dos grupos humanos nela assentes. Continuidades e rupturas essas que se sentem na vila de Elvas a nível político, social e económico, mas também no que diz respeito ao urbanismo, aos equipamentos urbanos e à sua importância estratégica. Algumas dessas fontes são inéditas; outras foram já dadas a conhecer por eminentes eruditos locais que, com uma grande e persistente dedicação, contribuíram de forma inultrapassável para a divulgação da História e tradições de Elvas e da sua região. Esta obra nunca pretendeu abarcar a totalidade dos aspectos de que se revestiu o quotidiano da urbe e do território da Elvas islâmica e cristã até ao século XV muito está ainda por estudar. Se este livro vier a ser útil para as gerações futuras, como foram os eruditos elvenses de outrora para o autor destas páginas, então terá cumprido o seu desígnio.

Enquadramento geográfico
Fazendo parte da região actualmente designada como Alto Alentejo, o território em redor de Elvas possui características morfológicas e geológicas semelhantes às da região em que se integra. Não deixa, porém, de sugerir algumas particularidades, situação que não é de estranhar dado que o Alentejo tem sido perspectivado geograficamente como mais que uma simples região (já se escreveu que o Alentejo não é uma província, é um  país, tal a variedade de aspectos que nos apresenta). Por outro lado, o facto de o Alto Alentejo (se Lautensach inclui Elvas no Alto Alentejo, Orlando Ribeiro, em 1955, introduz uma curiosa nuance, na medida em que, para este geógrafo, a região de Elvas pertence ao Alentejo, embora dentro de uma unidade de paisagem que denomina de Alto Alentejo), em geral, e a região de Elvas, em particular, carecerem de aprofundados estudos de carácter geomorfológico (ainda recentemente a geógrafa Suzanne Daveau considerava que o Alto Alentejo continua [a ser], em conjunto, uma das regiões portuguesas menos estudadas do ponto de vista geomorfológico) leva a que se coloque particular cuidado na caracterização de Elvas e da sua região. É sobre um naco de Maciço Antigo moldado por uma erosão intensa, onde dominam os suaves ondulados das peneplanícies, que se localiza a região de Elvas [o interflúvio (...) que separa o Tejo do Guadiana, apresenta paisagens variadas, onde formas suavemente abauladas são dominadas por colinas e serras circunscritas, geralmente alinhadas de NW para SE]. Mas essa antiguidade, em termos geológicos, de grande parte das suas terras, não significa que não tenha conhecido novidades. De facto, a região em que se insere Elvas, sob o ponto de vista geológico, é de grande riqueza e variedade. A complexidade geológica da região deve-se também ao facto de a grande falha tectónica que atravessa o Alentejo também por aqui passar [a grande falha da Messejana que atravessa todo o Alentejo numa diagonal ascendente, sensivelmente no sentido SW-NE (e que desde Odemira se prolonga até cerca de Ávila, em Espanha), passa junto a Elvas, dotando esta zona de uma maior complexidade e riqueza geológica], considerando-se provável que a dita falha (detectada a cerca de 3 Km para SW e a cerca de 6 Km para NE) atravesse o próprio núcleo urbano. Parte do subsolo urbano e uma grande mancha em seu redor são ricos em rochas eruptivas (destas rochas eruptivas destacam-se os gabros anfibólicos e piroxénicos, para além de ante-estefanianas). Entre Elvas e os campos da vizinha Espanha há semelhanças evidentes. Se as formações geológicas que se encontram ao longo do curso médio do Guadiana são idênticas junto a Elvas e a Badajoz, também no caso das formações do período Câmbrico do sistema da Era Paleozóica, essas mesmas formações continuam para Espanha». In Fernando Branco Correia, Elvas na Idade Média, Edições Colibri, CIDEHUS, Universidade de Évora, 2013, ISBN 978-989-689-365-1.

Cortesia de EColibri/JDACT