sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Roma Antiga. A vida sexual. Géraldine Puccini-Delbey. «Para retomar a fórmula choque de Paul Veyne, ser activo é ser macho, qualquer que seja o sexo do parceiro passivo. O esquema sexual romano é falocêntrico»

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«(…) O escravo Palinuro, numa comédia de Plauto, explica muito bem ao seu jovem amo Fedromo a estrita divisão que existe entre relações lícitas e ilícitas: desde que te abstenhas de mulher casada, de viúva, de virgem, de rapaz e de crianças de condição livre, ama tudo aquilo que te aprouver.
Estas primeiras obras literárias que são para nós as comédias de Plauto apresentam personagens de condição livre, jovens ou amos mais velhos, que têm simultaneamente relações sexuais com homens escravos e com mulheres. Assim, Lisidamo é casado, deseja Cásina, supostamente uma escrava, e tem relações com Olímpio, o seu escravo favorito. Lucrécio, no final da época republicana, afirma que o sexo do objecto de desejo é indiferente: assim, aquele que tiver sido atraído pelos traços de Vénus, seja que um rapaz de membros femininos o atraia, ou que uma mulher irradie amor com todo o seu corpo, volta-se para a fonte da atracção e deseja ardentemente unir-se a ela. Horácio confirma esta ideologia quanto à época augustiana e mostra que se pode arder de desejo quer pelos ternos rapazes, quer pelas jovens raparigas. O jovem Marato, que aparece nas Elegias escritas por Tibulo, ama uma jovem chamada Folo, ao mesmo tempo que é o preferido de um homem rico mais velho. Na época imperial, Quintiliano lembra que, em qualquer família abastada, as crianças vêem as nossas amantes, os nossos favoritos (nostros concubinos), e faz da posse de escravos alexandrinos, que servem de delícias ao amo, um fenómeno geral.
Recorrendo a uma categoria inapropriada, a bissexualidade é, portanto, o comportamento sexual mais comum do cidadão livre, com a reserva de que, na relação com outro homem, ele deve deter o papel activo, como na relação sexual com uma mulher. Para retomar a fórmula choque de Paul Veyne, ser activo é ser macho, qualquer que seja o sexo do parceiro passivo. O esquema sexual romano é falocêntrico. A acção normativa é a penetração de um orifício do corpo por um pénis. Os romanos têm um modelo de identificação que os gregos não tiveram: o deus Príapo, itifálico, cujo sexo desmesurado está sempre pronto a penetrar quem quer que seja, rapazes, mulheres e até homens adultos. Príapo, cujo lugar de culto primitivo se encontrava em Lâmpsaco, foi adoptado na religião romana tardiamente mas com facilidade, porque existia já uma divindade itálica antiga do falo, Mutunus Tutunus, à qual pôde facilmente substituir-se. O falo ocupa um lugar essencial na cultura romana como símbolo da autoridade masculina, como instrumento de penetração e de dominação, como garantia de fertilidade, de fecundidade, de energia vital, ou como meio apotropaico de protecção. O cidadão romano pode, assim, ter relações sexuais com a sua esposa, com os seus escravos e com prostitutas e prostitutos de qualquer idade. E teremos oportunidade de ver que nem todas estas diferentes configurações provêm de tradições gregas.
O vocabulário designa três locais susceptíveis de serem penetrados e mostra que o homem livre tem três actividades sexuais possíveis de ordem fálica: futuere indica um acto de penetração vaginal; pedicare, um acto de penetração anal; e irrumare, um acto de penetração oral. Ele obtém prazer penetrando quem quer que seja, com certos limites, como já vimos, e através de qualquer orifício. Assim, um pedicator não é um homossexual no sentido em que entendemos actualmente: é, sim, alguém que sodomiza uma outra pessoa, independentemente do seu sexo. Um irrumator não tem equivalente na nossa língua: ele beija tanto os homens quanto as mulheres na boca. Da mesma forma, um fututor não é propriamente o que entendemos por heterossexual: claro que a sua parceira é uma mulher e que o acto é uma penetração vaginal, mas ele pode paralelamente ter relações sexuais com um ou vários parceiros do seu próprio sexo e entregar-se a outros tipos de penetração. O próprio facto de ter relações com outros homens pode ser a prova da sua masculinidade, como mostra a resposta de Valério Asiático a Suílio Rufo, que o acusava de ter hábitos efeminados: interroga os teus filhos, Suílio. Eles confirmarão que sou homem. A função dos rapazes e das mulheres é a de ser simultaneamente estimulante do desejo masculino, objecto de desejo e receptáculo». In Géraldine Puccini-Delbey, A vida sexual na Roma Antiga, 2007, Edições Texto e Grafia, tradução de Tiago Marques, 2010, Lisboa, ISBN 978-989-828-515-7.

Cortesia de TGrafia/JDACT