segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Roma Antiga. A vida sexual. Géraldine Puccini-Delbey. «A diferença sexual estabelece uma linha divisória no comportamento que a sociedade romana permite ou não ao adolescente, de acordo com o seu sexo. Apenas os rapazes possuem o direito de fazer a sua iniciação sexual…»

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«(…) A nossa noção moderna de heterossexualidade não tem, portanto, sentido. O interesse exclusivo de um homem pelo sexo feminino não define uma categoria antropológica, mas sim uma idiossincrasia pessoal. Assim, o imperador Cláudio parece, segundo Suetónio, ser o único homem de toda a história romana a ser possuído por um desejo ilimitado pelas mulheres, nunca tendo feito de todo a experiência de homens. Suetónio não tem à sua disposição qualquer instrumento linguístico ou conceptual para indicar esse comportamento estritamente heterossexual, no sentido moderno, pelo que tem de explicitar aos seus leitores a peculiar característica do imperador por meio de uma perífrase. A necessidade de especificar que Cláudio nunca teve qualquer relação sexual com um homem mostra bem a ausência de um conceito como o da heterossexualidade na mentalidade romana. De acordo com a análise de Michel Foucault, as relações sexuais dos romanos organizam-se segundo um esquema de dominação/submissão que redobra e confirma a superioridade social de uns e a inferioridade social de outros. A verdadeira masculinidade de um homem de condição livre é atingida apenas na idade adulta e traduz-se, sexualmente, pela postura do homem dominante, activo, aquele que penetra, após ter passado pelo estádio da passividade erótica durante a adolescência. O estatuto de cidadão varonil, adquirido no momento da passagem da adolescência para a idade adulta, baseia-se no controlo, controlo da esposa e dos filhos, dos escravos e, sobretudo, de si mesmo, o qual pode, a qualquer momento, ser colocado em perigo. A manutenção desse estatuto viril não pode ficar sem vigilância, tanto de ordem física quanto psíquica. Qualquer perda de vigor físico, qualquer complacência para com um prazer excessivo ou qualquer fraqueza moral ameaça a integridade dessa masculinidade e pode fazê-la cair num estado de efeminação passiva, no estado de infâmia social.

Adolescência e iniciação sexual
A diferença sexual estabelece uma linha divisória no comportamento que a sociedade romana permite ou não ao adolescente, de acordo com o seu sexo. Apenas os rapazes possuem o direito de fazer a sua iniciação sexual fora da instituição do casamento. Os seus primeiros desejos sexuais e as suas primeiras ejaculações espontâneas, aquando da puberdade, nunca são referidos, com a excepção do que escreve Lucrécio no canto da sua obra poética dedicada à análise do amor: submetidos à ilusão de ver os simulacros» de pessoas atraentes e de fazer amor com elas, os adolescentes, durante o sono, difundem as torrentes de um imenso rio e acabam por manchar as roupas. A entrada na puberdade e, portanto, na vida sexual é acompanhada, no que aos rapazes diz respeito, por uma tolerância indulgente da parte dos mais velhos. Até os moralistas mais severos admitem que o jovem púbere vive, até à altura do casamento, alguns anos de liberdade sexual junto de criadas, cortesãs, prostitutas, e frequenta o bairro mal-afamado de Suburra em Roma, a não ser que uma senhora da alta sociedade ponha o olho nele, como atesta a relação da célebre Clódia com o jovem aristocrata Célio. Assim, os jovens iniciam-se no amor junto de uma ou de várias amantes. São inúmeros os testemunhos literários da época republicana a defender a indulgência face aos desvarios da juventude. Na comédia de Plauto as duas Báquides, o velho Filoxeno defende perante um pai o filho deste, que está apaixonado por uma prostituta, e recorre a um argumento pessoal: ele próprio, na sua juventude, passou pelo mesmo... Os jovens podem bem divertir-se um pouco, porque acabarão por se desgostar consigo mesmos e casar. Pede então ao pai que deixe o filho satisfazer o seu capricho. Recorda que, na idade do filho, ele mantinha uma amante, bebia com ela e lhe dava dinheiro e presentes!» In Géraldine Puccini-Delbey, A vida sexual na Roma Antiga, 2007, Edições Texto e Grafia, tradução de Tiago Marques, 2010, Lisboa, ISBN 978-989-828-515-7.

Cortesia de TGrafia/JDACT