quinta-feira, 22 de setembro de 2016

O Apogeu da Cidade Medieval. Jacques le Goff. «… o século das “bastides” (cidades fortificadas). Como o nome indica, o fenómeno é essencialmente um facto meridional, um fenómeno do Sudoeste. Ele afecta principalmente o Toulousain, o Albigeois, o Agenais e o Péri-gord»

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1150-1330. O povoamento urbano
«(…) Com excepção de Estrasburgo, a maioria dessas cidades alsacianas surgiu na Idade Média, como Lille ou Montpelher, a primeira a partir de um castelo feudal, a segunda a partir de um posto de parada numa estrada de peregrinação, O cami roumieu (caminho de Roma), que se torna no século XI uma aglomeração de carácter comercial. Mas o crescimento urbano exprime-se também por criações propriamente ditas. No entanto, a maioria delas, pelo menos depois de 1150, não origina verdadeiras cidades, apesar de algumas realizações dos templários, que fundam aglomerações ao lado de algumas de suas comendadorias, como, em 1192, La Couvertoirade (Aveyron), cuja muralha circular, com suas portas e torres, acha-se bem conservada. Uma grande realização é Montauban, fundada em 1144 pelo conde de Toulouse, Alphonse Jourdain, defronte do burgo do mosteiro de Montauriol, cujos habitantes o abandonaram em massa para ir morar na nova cidade. Em pouco tempo Montauban cresceu e tornou-se importante. O papa de Avignon João XXII, elevou-a a bispado em 1317. O século XIII, após as sauvetés (aldeolas francas criadas durante o feudalismo, por iniciativa dos mosteiros, para servir de refúgio e proceder ao arroteamento) do século XII, é, na ordem das criações de aglomerações, o século das bastides (cidades fortificadas). Como o nome indica, o fenómeno é essencialmente um facto meridional, um fenómeno do Sudoeste. Ele afecta principalmente o Toulousain, o Albigeois, o Agenais e o Péri-gord. As bastides são antes de tudo criações de grandes personagens. Em primeiro lugar, seguindo o exemplo do conde de Toulouse, Raymond VII (criador, notadamente, de Cordes em 1222), os reis da França, São Luís, Filipe III, o Ousado,
Filipe IV, o Belo, o primeiro sobretudo através de seu irmão, Afonso de Poitiers, conde de Toulouse de 1249 a 1271, os outros por intermédio de Eustache de Beaumarchais, senescal de Toulouse de 1272 a 1294. Um documento de 1271 atribui a Afonso de Poitiers quarenta e cinco criações ou recriações (fecit, fecit fieri, fecit ãe novo, criou, fez criar, criou de novo), especialmente Sainte-Foy-la-Grande (c. 1250), Villeneuve-sur-Lot (1253), Villefranche-de- Rouergue (1256), Villefranche-de-Lauraguais (1271). No reinado de Filipe, o Ousado, e no início do reinado de Filipe, o Belo, aparecem outras, como Montréjeau, Revel (1280), Mi-rande (1282), Grenade-sur-Garonne (1290), Beaumont de Lomagne, etc. Os reis da Inglaterra, a oeste, fundam também suas bastides, entre as quais Créon, Libourne (1269), Beaumont-en-Périgord (1272), Monpazier (1285). Em menor grau, os grandes senhores da região, e em primeiro lugar os condes de Armagnac e os condes de Foix-Béarn, foram também fundadores de bastides. A última onda de bastides atingiu o Périgord entre 1261 e 1306 e, embora representem apenas 4% do habitat da região, as 23 bastides ali criadas forneceram 9 das 60 sedes de distrito de castelanias, ou seja, 15%. O que significa o fenómeno das bastides? Houve quem as considerasse o canto do cisne do movimento comunal, mas as lutas sociais não parecem ter desempenhado nenhum papel em sua criação. Foram vistas também como uma expressão do impulso demográfico do período, mas num momento em que esse impulso parece bastante atenuado. O aspecto militar nessa zona fronteiriça onde reis da França e da Inglaterra disputam asperamente o terreno também chamou a atenção, e é provável que os soberanos tenham visto aí pontos de apoio estratégicos, mas a maioria dessas bastides não foi fortificada durante longo tempo.
Finalmente, o grande especialista da questão, Charles Higounet, pensa que se trata sobretudo de uma Organização da ocupação do solo e de um agrupamento da população. Assim as bastides permanecem muito inseridas no tecido campesino, constituindo antes burgos rurais do que cidades propriamente ditas. Talvez seja sobretudo pela regularidade de sua planta, por uma certa ideia urbanística de sua estrutura, à qual voltaremos, que as bastides  trouxeram sua contribuição para a formação da França urbana. Mas pode ser que essa estrutura esteja igualmente ligada à dos solos. Sua presença na França urbana é, salvo excepções, marginal. Ao lado da criação de bastides, São Luís está na origem de duas realizações urbanas do Sul, entre o Ródano e o Garonne; Carcassonne e Aigues-Mortes. Carcassonne, fundada em 1247, após a destruição do subúrbio consecutiva à revolta de Raymond Trencavel, foi cercada de muralhas, em pedra somente do lado do rio, contra as inundações, o resto em terra batida, por ordem de Filipe, o Ousado, em 1276. Aigues-Mortes, concebida em 1240, dotada de um foral em 1246 e onde os genoveses tinham cônsules já em 1249, foi criada como base de partida para a cruzada. Só a torre de Constance foi construída no reinado de São Luís. O essencial das muralhas data do reinado de Filipe III e foram terminadas por Filipe, o Belo». In Jacques le Goff, O Apogeu da Cidade Medieval, 1980, Livraria Martins Fontes Editora, 1989, 1992, ISBN 978-853-360-127-1.

Cortesia de LMartinsFontesE/JDACT