sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Segredos de Lisboa. Inês Ribeiro e Raquel Policarpo. «Depois de um passeio pelas ruas do bairro, a entrada na zona monumentalizada faz-se junto à Casa do Governador, onde estão as bilheteiras. Passando os torniquetes, abre-se a grande Praça de Armas…»

jdact e wikipedia

O castelo de São Jorge. Um gigante de vigia à cidade
«(…) A antiga alcáçova encontra-se hoje como que dividida em dois, o bairro e a zona monumentalizada, por um muro que só foi construído depois do século XVII. No Largo do Chão da Feira, como que a dar as melhores boas-vindas a todos os que alcançam o topo da colina, ergue-se a muralha exterior que protegia ambos com a ajuda das suas torres semicirculares. A porta mandada construir por Maria II, devidamente protegida pela imagem do santo que dá o nome ao castelo, dá entrada para o bairro do castelo. Em tempos idos, esta chamava-se Porta de São Jorge e ficaria no alinhamento da muralha. O acesso à alcáçova islâmica fazia-se através de mais três portas principais. A Porta de Santa Maria da Alcáçova está hoje desactivada e protegida por uma grade, localizando-se junto ao palácio Belmonte, no outro lado do Largo do Chão da Feira. No lado Norte do Castelo, quem vinha da zona da Graça entrava pela Porta do Norte e pela Porta do Moniz, nome associado ao mítico herói da conquista de Lisboa. Ambas foram abertas na muralha que hoje rodeia a Praça Nova. O bairro de Santa Cruz do castelo ainda se encontra habitado e continua a manter a tradição da Lisboa antiga, completa com casas de porta aberta, crianças a brincar na rua ou simpáticas vizinhas à conversa de uma janela para a outra. Tudo isto a par de novas lojas e cafés onde os visitantes e turistas se deliciam com as especialidades portuguesas. Os nomes das ruas ainda reflectem vivências do passado, relembrando áreas funcionais que não estavam integradas no Paço, como os fornos e as cozinhas.
Depois de um passeio pelas ruas do bairro, a entrada na zona monumentalizada faz-se junto à Casa do Governador, onde estão as bilheteiras. Passando os torniquetes, abre-se a grande Praça de Armas e uma das melhores vistas sobre Lisboa. O que os numerosos fotógrafos que ali se concentram não sabem é que esta praça só foi construída no período filipino com a criação de uma grande plataforma que tapou e nivelou a forte inclinação da colina. Até esta altura tudo o que ali havia era colina vazia e uma grande inclinação em direcção ao vale. Hoje a praça é um agradável miradouro vigiado de perto pela imponente figura de Afonso Henriques, oferecido pela cidade do Porto para a comemoração do VIII centenário da Conquista de Lisboa.
No topo da praça, uma velha oliveira recebe o viandante e abre caminho para o Jardim Romântico, onde uma escadaria de altos degraus será o que resta da entrada monumental do Paço. Quem hoje percorre a rua de acesso ao castelejo, dificilmente consegue imaginar que todo este espaço já esteve preenchido pelo grande paço real. O enorme conjunto de edifícios, de que apenas restam às actuais instalações do museu, do café e do restaurante Casa dos Leões, estendia-se de um lado ao outro da área monumentalizada, desde o que é hoje o miradouro dos canhões até à fronteira com o bairro de Santa Cruz. Em frente à estátua de Manuel I, uma pequena fonte ocupa o antigo altar da capela de São Miguel, localizada no interior do palácio e do qual só restou a abside, hoje apetrechada com banquinhos para o visitante mais cansado.
Atrás dos edifícios, uma rua ladeia a muralha e os vários canhões ali dispostos fazem esquecer que toda aquela área estava ocupada pelos edifícios do paço. Hoje podemos ver os poucos arcos que deles restaram e, no restaurante Casa dos Leões, permanece a memória de uma sala onde Afonso V guardou dois exemplares daquele imponente animal. Nas janelas do conjunto ainda se veem as grades colocadas quando ali funcionou a prisão filipina.  De prisão a Núcleo Museológico, aqui se encontra hoje parte da colecção recolhida ao longo das intervenções arqueológicas que decorreram no castelo entre 1996 e 2008. A entrada no museu faz-se através da sala ogival, onde se pode ver uma grande reprodução da Lisboa quinhentista e tentar adivinhar que edifícios ainda se encontram de pé tantos séculos depois. A colecção destaca a vivência do período islâmico no castelo, com exposição na sala das colunas e, na sala da cisterna, pequenos recantos expõem peças pertencentes a realidades que vão desde a Idade do Ferro até ao pós-terramoto. Mais de mil anos de História concentram-se numa sala que é por si só uma longa viagem no tempo». In Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, Segredos de Lisboa, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-706-3.

Cortesia de EdosLivros/JDACT