quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Poesia no 31. Maria Soares. «Estuda! Aprende! Lê! Observa! Luta pelo teu lugar ao sol! Procura um abrigo num porto seguro, um amigo que te compreenda, e te ajude a caminhar»

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Com a devida vénia à Maria Soares, publico alguns dos seus lindos poemas, já eternizados em hinos de estudantes e cantares do povo.

Tempo de Outono
«Estão diferentes os dias!
É diferente a sua luz...
Cheira a castanha assada,
a terra molhada p'la chuva bendita,
ouvem-se nos prados novos balidos...
Anunciando o Outono, em alegre chilreio,
andorinhas agrupam-se nos beirais
preparando a partida.
Adeus! Na Primavera voltamos!
Estas vão, mas outras... Ficam
nos capotes dos estudantes
que passam alegres, pelas ruas...
Volta o tempo das aulas.
Começo para uns, regresso para outros.
E o retomo ao trabalho
Depois da liberdade do Verão.
No horizonte, o sol adormece mais cedo,
as noites ficam maiores,
e os dias, mais pequenos
tornam os corações nostálgicos.
Lentamente, as árvores vão-se despindo
estendendo ao céu os braços nus,
como que espreguiçando
e o vento, delicada ou loucamente,
dança com as suas folhas
até caírem cansadas, esquecidas,
formando no chão um tapete dourado.
É o Outono que chega na sua estranha magia,
motivo de inspiração de namorados e poetas...
É o tempo dos serões à lareira,
contando ou ouvindo histórias,
ou até mesmo dormitando...
-“Senhora dê-me os Santos,
por alma dos seus defuntos...”
Ouvem-se crianças cantando às portas.
E nos sacos, caem castanhas, fruta, doces,
às vezes uma moeda...
Em breve, cumprindo a tradição,
famílias se reunirão à volta da mesa,
lembrando a vinda do Deus-Menino.
É mais um ano que parte e outro que chega,
cheio de novas esperanças no futuro...
Ui!!! Que frio!!!
Aconchegando o casaco,
sigo o meu rumo Vida fora…»

A ti criança
«Nasceste chorando,
reclamando dos homens
um lugar que é teu!
Cresceste, brincando e rindo,
correndo na rua
com o teu balão,
viveste aventuras num corcel de madeira…
Mas a Vida traiu-te e sofreste, calado,
as dores sentidas num corpo franzino,
marcado por desejos vis e canalhas...
Sem lar, sem pai nem mãe, sem carinho…
Estendeste a mão, suja e magra
à caridade de um pão...
Procuraste abrigo num vão de escada,
por agasalho... só um papelão....
Deambulaste, ao acaso, sem rumo,
sem ninguém que te desse a mão....
O desprezo dos homens, varou o teu corpo.
Mutilou-te a alma e a condição,
negou-te os direitos mais elementares,
matou-te os sonhos mais puros da Vida.
Hoje menino, homem amanhã!
Vingança!!!
Sentimento feroz
que te fere a alma e escurece a razão!
Não! Não o aceites!
Estuda! Aprende! Lê! Observa!
Luta pelo teu lugar ao sol!
Procura um abrigo num porto seguro,
um amigo que te compreenda,
e te ajude a caminhar
por uma estrada de Luz e de Paz,
ao encontro da felicidade!»

Fado
«Fado cantado nas vielas
no desassossego de um coração
cantado a medo, com cautela
não vá despertar a razão.

Fala daquele amor que partiu
deixando um rasto de dor
quando num beijo, fugaz, fugiu
desprezando sem dó aquele amor.

Promessas e juras de amor
que pareciam tão sinceras
perderam qualquer valor
esfumaram-se em quimeras.

Chora baixinho a guitarra,
acompanhando aquela alma,
que triste, a ela se agarra,
a ver se a dor se acalma.

Cantam ambos uma paixão
que parecia tão bonita,
mas partiu-se o coração
ficou a mágoa infinita.

Quer ao sol, quer ao luar
se lembra dessa paixão,
que p'ra sempre quis levar,
consigo o seu coração».
Poemas de Maria Soares, in “Páginas Soltas”

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