sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A Rapariga do Calendário. Audrey Carlan. «Não tenho dinheiro nenhum. Suspirei, de um jeito alto e dramático demais até para os meus ouvidos. Olha, você sempre se apaixonou... Não mais!, lembrei à minha melhor amiga de toda a vida»

Cortesia de wikipedia e jdact

Janeiro
«Amor verdadeiro não existe. Passei anos imaginando que existisse. Na verdade, achei que tivesse encontrado. Quatro vezes, para ser mais c. Vejamos: Taylor. Meu namorado do colégio. Ficamos juntos durante todo o ensino médio. Ele era a estrela do time de basebol. O melhor que a escola já teve. Grande, tinha mais músculos que cérebro e o pinto do tamanho de um amendoim com casca. Provavelmente graças aos esteróides que tomava escondido de mim. Ele me abandonou na noite da formatura. Fugiu com a minha virgindade e a chefe das líderes da equipa. Ouvi dizer que ele largou a faculdade e está trabalhando como mecânico em uma cidadezinha sem nome, com dois filhos e uma mulher que não aplaude mais por ele. Depois, teve o assistente do professor na minha turma de introdução à psicologia na Faculdade Comunitária de Las Vegas. Seu nome era Maxwell. Eu achava que ele era o tal. Acontece que ele sapateou em cima do meu coração, porque pegava uma rapariga de cada turma em que era assistente. Na verdade, ele prestava assistência a peitos e nádegas, e sempre tinha muitos deles à disposição. Tudo bem. Ele acabou engravidando duas meninas no mesmo ano lectivo e foi expulso da faculdade por má conduta. Aos dezanove anos, já tinha duas mães na sua peugada, exigindo que ele pagasse pensão. Pensando bem, havia algo muito poético nisso. Graças a Deus, sempre exigi que ele usasse preservativo comigo. Aos vinte, dei um tempo. Passei o ano todo servindo mesas no MGM Grand, na Las Vegas Strip. Foi aí que conheci o afortunado número três, Benny. Só que nem eu nem ele tivemos sorte. Ele contava cartas no póquer. Na época, dizia que era da área de vendas, rodava os casinos e adorava jogar. Tivemos um romance que nem foi tão romântico assim. Acho que passei a maior parte do tempo bêbada e debaixo dele, mas, infelizmente, acreditei que ele me amava, já que me dizia isso o tempo todo. Durante dois meses, nós bebemos, nadamos na piscina do hotel e fazíamos sexo à noite toda num dos quartos que eu conseguia arrumar com um amigo que trabalhava na limpeza. Eu servia bebidas de graça para esse indivíduo e os amigos dele e, em troca, ele me dava a chave de um quarto na maioria das noites. Funcionava. Até ao dia em que não funcionou mais. Benny foi lento contando cartas e desapareceu. No primeiro ano de seu desaparecimento, fiquei desesperada. Então descobri que ele tinha sido espancado quase até à morte. Ele passou um bom tempo no hospital e depois mandou da cidade, deixando-me para trás sem uma palavra. O último erro foi o que podemos chamar de a gota-d’água. É o motivo pelo qual eu acredito que o amor verdadeiro é uma coisa criada pelas empresas que vendem cartões e por pessoas que escrevem livros sentimentais e roteiros de comédia romântica. Ele se chamava Blaine, mas o seu nome deveria ser Lúcifer. Era um executivo de fala mansa. Executivo é bondade minha. Na verdade, ele era um agiota. O mesmo que emprestou ao meu pai mais dinheiro do que ele poderia pagar. Primeiro ele olhou em mim, depois no meu pai. Naquela época, eu achava que o nosso amor era de contos de fadas. Blaine me prometeu o mundo e me deu o inferno na Terra. É por isso que eu acho que você deve aceitar o emprego que a sua tia ofereceu e ver o que acontece. Minha melhor amiga, Ginelle, mascou seu chiclete de um jeito barulhento do outro lado da linha. Afastei um pouco o telefone da orelha. É a única solução. De que outra maneira vai conseguir livrar o seu pai do Blaine e dos capangas dele? Dei um gole de água fresca, enquanto o sol da Califórnia dividia as gotas em fragmentos de luz salpicados na garrafa. Não sei o que fazer, Gin. Não tenho esse dinheiro todo. Não tenho dinheiro nenhum. Suspirei, de um jeito alto e dramático demais até para os meus ouvidos. Olha, você sempre se apaixonou... Não mais!, lembrei à minha melhor amiga de toda a vida. Eu podia ouvir o barulho de Vegas pelo telefone. As pessoas acham que o deserto é um lugar tranquilo. Não na Strip. Máquinas caça-níquel tilintavam e campainhas soavam constantemente em qualquer lugar em que estivesse. Não dava para escapar. Eu sei, eu sei. Ela mexeu no telefone, fazendo-o estalar no meu ouvido. Mas você gosta de sexo, não é? Eu não sou uma Barbie, Gin. Por favor, não me faça perguntas idiotas. Estou numa situação complicada aqui. Ou melhor, se eu não encontrar um jeito de conseguir um milhão de dólares, meu pai é que estará. Ginelle gemeu e mascou a sua chiclete. O que eu quero dizer é que, se aceitar o trabalho de acompanhante, só vai precisar estar sempre bonita e viver muito. Você não fica com ninguém há meses. Poderia muito bem aproveitar a chance, certo? Ginelle era a única pessoa capaz de transformar um trabalho de acompanhante, muito bem pago, no emprego dos sonhos. Não estamos no filme Uma linda mulher, e eu não sou a Julia Roberts.
Caminhei até à minha mota, uma Suzuki GSX-R600 que apelidei de Suzi. Era a única coisa de valor que eu tinha. Passei a perna sobre o banco e coloquei o telefone em viva-voz. Separei meu cabelo, grosso e pesado, em três partes e fiz uma trança. Olha, eu sei que você tem boas intenções, mas, sinceramente, não sei o que vou fazer. Não sou uma prostituta. Pelo menos não quero ser. O simples pensamento fazia meu peito estremecer de pavor. Mas tenho que pensar em alguma coisa. Preciso ganhar muito dinheiro, e rápido. Sim, eu sei. Depois me conta como foi o encontro na Exquisite Acompanhantes de Luxo. Se puder, liga-me à noite. Mer…, estou atrasada para o ensaio e ainda tenho que me vestir. A sua voz soava entrecortada e eu podia imaginá-la correndo pelo casino para chegar ao trabalho, o telefone colado ao ouvido, sem dar a mínima para quem a observava ou achava que ela era louca. Era isso o que a tornava tão especial. Ela falava as coisas do jeito que eram..., sempre. Assim como eu. Ginelle trabalhava no show burlesco Dainty Dolls, em Vegas. Assim como o nome do espectáculo, minha melhor amiga era pequena e meiga, e sabia exactamente a melhor forma de balançar o traseiro. Homens do mundo todo vinham assistir ao show sensual na Strip. Mesmo assim, ela não ganhava o suficiente para me emprestar a mim ou ao meu velho. Não que eu tenha pedido. Está bom. Amo-te, sua vaca, falei docemente, enquanto enfiava minha trança dentro da jaqueta de couro, para que ela caísse entre as omoplatas. Também te amo, vadia. Virei a chave no contacto, acelerei e abaixei a viseira do capacete. Enquanto guardava o telefone no bolso interior da jaqueta, coloquei o pé no pedal e saí em alta velocidade, em direcção a um futuro que eu não queria, mas não tinha como evitar». In Audrey Carlan, A Rapariga do Calendário, 2015, Planeta Editora, 2016, ISBN 978-989-657-800-8.

Cortesia de PlanetaE/JDACT