domingo, 3 de julho de 2016

O Leito Celestial. Irving Wallace. «Abrira um consultório e os resultados não haviam sido satisfatórios. A maioria dos casos envolvia relacionamentos humanos íntimos, quase sempre com problemas sexuais; por muitos motivos…»

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«Enquanto seguia para casa em seu carro, depois de se despedir do último visitante e trancar a clínica, o doutor Arnold Freeberg concluiu que aquele fora um dos melhores dias, talvez mesmo o melhor dia, que desfrutara desde que se estabelecera em Tucson, Arizona, depois de deixar Nova York, havia seis anos. Tudo por causa daquele último visitante, Ben Hebble, o mais bem-sucedido banqueiro de Tucson, e seu anúncio de um presente extraordinário para ele. Freeberg recordou a essência da visita do corpulento banqueiro. Meu filho ficou curado graças à sua terapia sexual. Timothy era muito infeliz e ambos sabíamos disso. Tinha medo da companhia de garotas porque não conseguia ter uma erecção, até que seu psiquiatra encaminhou-o para o senhor. Fez um bom trabalho. Em apenas dois meses, conseguiu transformá-lo. Depois disso, Timothy andou se divertindo por aí durante algum tempo, até que se apaixonou por uma garota do Texas. Resolveram viver juntos e foi um sucesso tão grande que agora vão casar. Por sua causa, eu ainda espero ser avô! Meus parabéns!, exclamara Freeberg, recordando como ele e sua suplente sexual, Gay le Miller, haviam trabalhado com paciência para conduzir o filho do banqueiro, que sofria de disfunção sexual, à cura. Não, doutor Freeberg, o senhor é que merece os parabéns!, protestara Hebble. E estou aqui para lhe agradecer de uma maneira prática. Vim lhe comunicar que estou criando uma fundação para complementar sua clínica, e que permitirá ao senhor e à sua equipe ajudar a curar pacientes com disfunção sexual que não tiverem condições de contratar seus serviços. Quero lhe garantir cem mil dólares por ano com essa finalidade, durante dez anos, perfazendo um milhão de dólares que lhe proporcionarão a oportunidade de ampliar seu trabalho e ajudar a outras infelizes vítimas da impotência. Freeberg recordou que se sentira atordoado. Eu..., não sei o que dizer. Estou muito confuso. Só há uma condição, acrescentara Hebble, em tom incisivo. Quero que a fundação seja em Tucson, com todo o seu trabalho realizado aqui. Esta cidade tem sido boa para mim, e lhe devo alguma coisa. O que me responde? Não há problema. Absolutamente nenhum. Está sendo muito generoso, senhor Hebble. Freeberg despedira-se do seu benfeitor, ainda atordoado. Ao chegar em casa, assim que abriu a porta cantarolando para si mesmo, deparou com a esposa rechonchuda, Miriam, que estava à sua espera no vestíbulo. Ele beijou-a, alegre. Antes que pudesse falar qualquer coisa, no entanto, ela sussurrou-lhe: Arnie, há alguém à sua espera na sala de estar. É o promotor municipal, Thomas O'Neil. Ele pode esperar um minuto, disse Freeberg, enlaçando a esposa. Freeberg e O'Neil eram amigos casuais; participavam juntos de diversos comités a fim de levantar recursos para obras de caridade locais. Provavelmente veio conversar sobre algum trabalho comunitário. Agora ouve o que acaba de acontecer na clínica. Rapidamente, ele relatou a oferta de Hebble. Miriam ficou excitada; abraçou o marido e beijou-o várias vezes.
Isso é maravilhoso, Arnie! Agora podes realizar os teus sonhos! E mais alguma coisa! Pegando o marido pelo braço, ela levou-o para a sala de estar. É melhor você descobrir logo o que o senhor O'Neil está querendo. Ele chegou há dez minutos. Não deve deixá-lo esperar por muito tempo. Freeberg entrou na sala, cumprimentou o promotor e sentou-se à sua frente. Ficou surpreso ao perceber que O'Neil parecia constrangido. Detesto incomodá-lo na hora do jantar, Arnold, mas tenho vários compromissos esta noite e achei que deveria lhe falar o mais depressa possível a respeito de... a respeito de um problema urgente. Freeberg ficou ainda mais desconcertado. Não parecia a conversa habitual sobre levantamento de recursos para obras de caridade. O que aconteceu, Tom? Refere-se ao seu trabalho, Arnold. O que há com meu trabalho? Bem..., fui oficialmente informado por..., por diversos terapeutas que você usa uma suplente sexual para curar seus pacientes. Isso é verdade? Freeberg contorceu-se na cadeira, apreensivo. Hã..., é, sim, é verdade. Descobri que é a única coisa que funciona com muitos pacientes que sofrem de disfunção sexual. O'Neil meneou a cabeça. É ilegal no Arizona, Arnold. Sei disso, mas pensei que poderia fazer tudo com discrição, conseguindo curar os pacientes em estado mais drástico. O'Neil permaneceu intransigente. É ilegal, Tom. Significa que você está agindo como proxeneta e a mulher que usa é uma prostituta. Eu bem que gostaria de fechar os olhos ao que está fazendo, pois somos amigos. Mas não posso. A pressão é cada vez maior. Não posso continuar a ignorar. Ele empertigou-se e, ao tornar a falar, deu a impressão de pronunciar as palavras com o maior esforço. O resultado final é que você perde o seu emprego ou eu perco o meu. O problema tem de ser resolvido o mais rápido possível e rigorosamente nos termos da lei. Quero-lhe dizer o que deve fazer. É a melhor proposta que posso apresentar, Arnold. Está disposto a ouvir? Muito pálido, o doutor Arnold Freeberg assentiu com a cabeça e ouviu... Mais tarde, depois que O'Neil se foi, Freeberg manteve-se em silêncio durante o jantar, comendo devagar, sem ter a menor ideia do que punha na boca, absorto em seus pensamentos. Estava consciente e grato porque Miriam distraía o filho de quatro anos, Jonny , enquanto ele procurava se recuperar do golpe e avaliar as consequências. Freeberg trabalhara bastante e por um longo tempo, enfrentando uma oposição constante, até alcançar o sucesso em Tucson e receber a magnífica oferta de Hebble. E então, abruptamente, o edifício do sucesso desmoronava e se transformava em pó. Ele recordou o início. Acontecera logo depois que se formara na Universidade de Columbia, em Nova York, como psicólogo.
Abrira um consultório e os resultados não haviam sido satisfatórios. A maioria dos casos envolvia relacionamentos humanos íntimos, quase sempre com problemas sexuais; por muitos motivos, o tratamento psicológico não funcionara de maneira eficaz, pelo menos não para ele. Os pacientes chegavam e partiam, talvez com uma compreensão maior dos próprios problemas, mas com pouco aproveitamento em termos de soluções práticas. Mais e mais, Freeberg começara a investigar outras formas de terapia sexual, passando da hipnose ao condicionamento positivo e terapia de grupo. Nada o impressionara bastante, até que assistira a uma série de conferências em que um certo doutor Lauterbach demonstrara o uso das suplentes sexuais na terapia. O método e os resultados favoráveis atraíram Freeberg de imediato. Depois de um estudo profundo, Freeberg passara a endossar incondicionalmente a ideia de usar suplentes sexuais. Numa das conferências conhecera uma jovem exuberante e encantadora chamada Miriam Cohen, uma bem-sucedida gerente de compras de uma loja de departamentos, que estava à procura de respostas para seus próprios problemas e fora uma das poucas mulheres que havia na sala a concordar com ele a respeito do valor da suplente sexual na terapia. Não demorara muito para que Freeberg descobrisse que tinha várias coisas em comum com ela. Começaram a sair juntos e acabaram casando». In Irving Wallace, O Leito Celestial, 1987, Livros do Brasil, colecção Dois Mundos, nº 166, Lisboa, ISBN 978-972-380-576-5.

Cortesia de LdoBrasil/JDACT