quinta-feira, 28 de julho de 2016

Nas Asas do Tempo. Diana Gabaldon. «Aquele deve ser o pedaço de carpete mais sujo de toda a Escócia, observara Frank naquela manhã quando estávamos na cama a ouvir o ronco feroz do aspirador no corredor»

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«Não era um local muito provável para desaparecimentos. pelo menos à primeira vista. A estalagem da Sr.ª Baird era igual a milhares de outros estabelecimentos que ofereciam cama e pequeno-almoço nas Terras Altas da Escócia, em 1945: limpa e tranquila, com papel de parede floral desbotado, soalhos reluzentes e um esquentador na casa de banho operada com moedas. A Sr.ª Baird era atarracada e afável, e não colocava qualquer objecção ao facto de Frank cobrir a sua minúscula sala de visitas, decorada com raminhos de rosas, com as dezenas de livros e papéis com que sempre viajava. Encontrei a Sr.ª Baird no vestíbulo quando saía. Ela deteve-me com a mão rechonchuda no braço e tocou-me no cabelo. Credo, senhora Randall, não pode sair assim! Vá, deixe-me prender aqui esta madeixa. Pronto! Assim está melhor. Sabe, a minha prima falou-me outro dia de uma nova permanente que experimentou, fica linda e dura que é uma maravilha. Talvez devesse experimentar da próxima vez. Não tive coragem de dizer-lhe que a rebeldia dos meus caracóis castanhos-claros era obra exclusiva da natureza e não devida a qualquer negligência da parte dos fabricantes de permanentes. As suas próprias ondas firmemente marcadas não sofriam de tal perversidade.
Sim, farei isso, senhora Baird, menti. Só vou à aldeia encontrar-me com o Frank. Voltamos para o chá. Saí apressadamente pela porta a caminho da rua antes que ela pudesse detectar quaisquer outros defeitos na minha aparência indisciplinada. Após quatro anos como enfermeira do exército britânico. eu estava livre de uniformes e restrições, cedendo ao desejo de usar vestidos leves de algodão estampados, totalmente inadequados para as acidentadas caminhadas através das urzes. Não que eu tivesse originalmente planeado fazer muitas dessas caminhadas; os meus pensamentos estavam mais voltados para dormir até tarde todas as manhãs e passar longas tardes preguiçosas na cama com Frank, e não para dormir. No entanto, era difícil manter o adequado estado de espírito lânguido e romântico com a Sr.ª Baird diligentemente a passar o aspirador do lado de fora do nosso quarto.
Aquele deve ser o pedaço de carpete mais sujo de toda a Escócia, observara Frank naquela manhã quando estávamos na cama a ouvir o ronco feroz do aspirador no corredor. Quase tão sujo quanto a mente da proprietária, concordei. Afinal, talvez devêssemos ter ido para Brighton. Escolhêramos as Terras Altas como destino de férias antes de Frank assumir o cargo de professor de História em Oxford, considerando que a Escócia de certa forma fora menos atingida pelos horrores físicos da guerra do que o resto da Grã-Bretanha e era menos susceptível à frenética alegria pós-guerra que contagiava pontos turísticos mais populares. Mesmo sem discutir o assunto, acho que sentimos ambos que era um local simbólico para restabelecermos o nosso casamento; casáramos e passáramos uma lua-de-mel de dois dias nas Terras Altas, pouco antes da deflagração da guerra há sete anos. Um refúgio tranquilo onde nos pudéssemos redescobrir um ao outro, pensámos, sem perceber que, enquanto o golfe e a pesca são os desportos ao ar livre mais praticados na Escócia, o mexerico é o desporto de salão mais popular. E como lá chove muito, as pessoas passam muito mais tempo dentro de casa.
Onde vais?, perguntei, quando Frank lançou os prés para fora da cama. Detestaria ver a pobre velhota decepcionada connosco, respondeu. Sentando-se na beira da cama antiga, começou a balançar-se devagar para cima e para baixo. criando um rangido rítmico e penetrante. O ronco do aspirador no corredor parou bruscamente. Após um ou dois minutos balançando-se, ele deu um gemido alto e teatral e deixou-se cair para trás com uma vibração de protesto das molas. Não pude conter uma risada abafada na almofada, para tão perturbar o silêncio sepulcral do lado de fora. Frank ergueu as sobrancelhas para mim. Devias estar a gemer em êxtase, não a rir-te, repreendeu-me num sussurro. Ela vai achar que não sou boa amante. Vais ter de continuar por mais tempo do que isso, se esperas gemidos de êxtase, respondi. Dois minutos não merecem mais do que uma risada». In Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, 1991, Casa das Letras, LeYa, 2010, 2016, ISBN 978-972-461-974-3.

Cortesia das CdasLetras/JDACT