sábado, 23 de julho de 2016

Da Vinci. Maquiavel. Bórgia. Paul Strathern. «Dois anos mais tarde, Lourenço, o Magnífico, concebeu uma reaproximação difícil com o poderoso papa e, para cimentar essa reaproximação, enviou a Roma alguns destacados artistas florentinos para decorarem a capela»

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Uma Constelação Única
«(…) Por esta altura, a relação entre Leonardo e Lourenço, o Magnífico, e o seu círculo tinha-se esfriado um pouco. Muito simplesmente, Leonardo não se enquadrava no brilhante e privilegiado grupo de intelectuais que se reunia no Palazzo Medici. A erudição humanista de todos eles, a sua capacidade de falar latim (e até grego), o seu comportamento sofisticado, tudo isto excluía do seu meio o rapaz de Vinci, pouco instruído, que falava com sotaque do campo e que se mostrava mais interessado em desenhar máquinas estranhas e animais, enquanto eles compunham poemas espirituosos para as festas extravagantes que Lourenço organizava para manter a populaça feliz e acalmar qualquer ressentimento anti-Medici. No entanto, este método de cortejar a popularidade não foi inteiramente bem-sucedido, e, em 1478, Florença foi palco de um tumultuoso acontecimento: Lourenço, o Magnífico, escapou por pouco a uma tentativa de assassínio apoiada pela poderosa família Pazzi, que contou com o apoio encoberto do papa Sisto IV em Roma. Quando a conspiração fracassou, Florença mergulhou na agitação, com a populaça a entregar-se a actos de violência para encontrar os conspiradores. Maquiavel, que na altura era um rapaz de nove anos, recordou mais tarde estes acontecimentos nas suas Histórias Florentinas, descrevendo o destino dos conspiradores: fugiram aterrorizados e procuraram esconder-se; mas, quando foram encontrados, foram mortos e os seus corpos arrastados pelas ruas, em desonra. Outros conspiradores, apanhados no primeiro andar do Palazzo della Signoria, a residência oficial do conselho governativo, foram abatidos de imediato ou atirados vivos pelas altas janelas do palácio. Leonardo testemunhou também estes acontecimentos e, quando um dos conspiradores, que conseguira fugir, foi trazido de volta a Florença um ano depois e enforcado publicamente, Leonardo desenharia um esboço dele suspenso na extremidade da corda. Estes acontecimentos tiveram com certeza algum efeito em Leonardo, mas, ao seu estilo característico, os seus cadernos de apontamentos não lhes fazem qualquer menção além desta referência indirecta.
Dois anos mais tarde, Lourenço, o Magnífico, concebeu uma reaproximação difícil com o poderoso papa e, para cimentar essa reaproximação, enviou a Roma alguns destacados artistas florentinos para decorarem a capela recém-construída por Sisto IV e que se tornaria conhecida como Capela Sistina. Significativamente, Leonardo não estava entre os pintores escolhidos para esta missão diplomática. Tinha começado a desenvolver uma característica inquietante: apesar do brilhantismo inquestionável da sua pintura, sentia cada vez mais dificuldade em terminar as obras que lhe eram encomendadas. Isso devia-se em parte ao facto de os seus interesses terem começado a desviar-se para outras áreas: para os estudos científicos da natureza, desenhos de projectos cada vez mais engenhosos, planos de máquinas militares, e assim por diante. Esta incapacidade de terminar os quadros também tem sido atribuída às suas ideias artísticas sempre em evolução, que muitas vezes o impediam de alcançar uma visão uniforme numa única obra. Ao mesmo tempo, tem também todas as marcas de algum bloqueio psicológico pouco claro. Provavelmente como resultado das encomendas inacabadas de Leonardo (e patronos cada vez mais irritados), Lourenço mandou-o em 1482 numa missão a Milão: entregar, e fazer uma demonstração ao seu governante Ludovico Sforza, uma magnífica lira de prata que Leonardo tinha produzido com a forma de cabeça de cavalo.
Como é evidente, Leonardo viu aqui uma oportunidade para deixar Florença com carácter mais permanente, e escreveu a Ludovico Sfotza enunciando-lhe as suas competências como engenheiro civil e militar. Foi mesmo ao ponto de sugerir que lhe fosse confiada a tarefa de fundir a enorme estátua equestre de bronze que Ludovico desejava erguer em honra de seu pai, o grande condottiere (caudilho) Francesco Sforza, que tinha conquistado Milão e fundado a dinastia que governava naquele momento a cidade». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT