sexta-feira, 8 de julho de 2016

As Freguesias do Distrito do Porto. Memórias Paroquiais de 1758. José Viriato Capela. «… publicações nos quadros concelhios, e por eles no Distrital, aproxima-se aqui muito de perto do quadro da Diocese Portucalense, dada a proximidade do desenho do Distrito com o da diocese»

jdact

Memórias, história e património
«Em obediência ao programa editorial da Colecção Portugal nas Memórias Paroquiais de 1758, publica-se agora o volume 5 das Memórias Paroquiais respeitantes ao Distrito do Porto. Com esta publicação vai-se ao encontro, pelo menos no que diz respeito à região do grande Porto, de uma área cultural onde as Memórias Paroquiais foram precocemente e em grande extensão objecto de interesse e curiosidade local. Elas fizeram parte dos conteúdos e temas de referência de alguns investigadores e historiadores locais que ao longo da 1.ª metade do século XX se interessaram pela História Municipal e Local. Em especial, os autores que mais intensamente ao longo das décadas de 1920-1940, em correlação com o surto dos movimentos regionalistas, municipalistas e descentralizadores, prestaram mais atenção à História das terras e para ela procuraram as bases, os fundamentos e as origens histórico-culturais. Em alguns casos as Memórias Paroquiais foram mesmo objecto de publicação sistemática, como base do suporte da construção da identidade e história municipal. Este programa de estudo e publicação das Memórias teve depois continuidade no pós 1975 com o surto da História Local, em muitos casos em correlação com o revigoramento da vida municipal e apoiada pelos municípios. Por isso quando iniciamos a reunião de materiais para a publicação deste volume, fomos de certo modo surpreendidos com o enorme volume de Memórias que já tinham sido dadas à estampa e eram conhecidas da Cultura e História das Terras, mais do que da História e Historiografia Nacional. E que de um modo quase geral e sistemático cobrem os concelhos envolventes do Porto e a cidade.
É o caso das edições mais precoces dos anos de 1920/1930, para os municípios de Vila do Conde, Paredes e Gondomar, às seguintes das décadas de 1950-1970 de Santo Tirso, Matosinhos, Póvoa de Varzim e Porto, até às edições (ou reedições), mais recentes de Vila Nova de Gaia, Penafiel e Paredes. A edição do presente volume respeitante ao Distrito do Porto que continua a enquadrar-se para efeito de arrumação de publicações nos quadros concelhios, e por eles no Distrital, aproxima-se aqui muito de perto do quadro da Diocese Portucalense, dada a proximidade do desenho do Distrito com o da diocese. O quadro diocesano e da sua administração portuense apresenta-se-nos então muito robusto capaz de fixar e estabilizar precocemente os seus limites, mas também resistir às forças da sua diminuição, vindas sobretudo dos poderes régios, que do poder senhorial e temporal dos seus bispos pretende também diminuir o seu poder e jurisdição eclesiástica. Importante golpe seria o desferido por Pombal com a criação da diocese de Penafiel (1770-1778). Mas tal não vingaria nem sobreviveria ao afastamento do Ministro de José I e do seu projecto de poder regalista de reordenamento do poder eclesiástico e territorial e submissão dos bispos e quadros diocesanos.
Mas este é um assunto que tem os seus desenvolvimentos pós 1758. O quadro da divisão e administração diocesana é muito forte nas referências dos párocos memorialistas que sempre situam rigorosamente a posição das suas paróquias no quadro do ordenamento da divisão e administração eclesiástico-diocesana, mas também no da administração e governo eclesiástico e pastoral, onde os direitos de padroado e apresentação vão largamente desenvolvidos, a História da Igreja Portucalense regularmente evocada a partir do Catálogo dos Bispos do Porto de Rodrigo Cunha, obra maior da cultura e identidade político-religiosa do clero urbano e rural da diocese do Porto que poucos párocos desconheceriam. A força e pregnância da administração diocesana eclesiástica, vai expressa no longo espaço que toma ainda na obra do padre Agostinho Rebelo Costa, na sua Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto, de finais do século XVIII (1.ª edição 1788-1789). Particularmente robusta e desenvolvida é a organização e vida paroquial diocesana. Ela exprime-se desde logo pelo desenvolvimento médio da dimensão demográfica das paróquias, e nelas pela centralidade paroquial das igrejas matrizes e da sua acção cultural e eclesiástica. É possível através das Memórias Paroquiais seguir e compor o quadro geral das igrejas matrizes que em meados do século XVIII têm sacrário e Santíssimo Sacramento, culto central à actividade eucarística e paroquial da igreja, mas também da instalação de algumas confrarias centrais à vida religiosa e administração eclesiástica das paróquias, da administração temporal da Igreja, a confraria do Subsino, e outras confrarias devocionais, suportes por excelência do enquadramento e desenvolvimento de cultos estratégicos da Igreja Portuguesa. E também pelas demais instituições religiosas de enquadramento da população, expresso na densidade de capelas, confrarias e irmandades e outros institutos pios, religiosos e sociais, todas elas contribuindo para o reforço e relevância da paróquia. E é também grande e importante o papel social e religioso que os inúmeros institutos e comunidades de religiosos têm na diocese e na cidade, com uma grande irradiação política e cultural.
Este desenvolvimento das instituições da administração eclesiástica no quadro das paróquias portuenses, explica também, com outros factores, o fraco desenvolvimento das estruturas civis e políticas da coroa e municípios, nos lugares e nas vintenas. Ao lado da diocese, só a cidade do Porto exerce tão grande força política, enquadradora e centralizadora deste território, mas também significativa irradiação social e monumental, que nesta conjuntura irá reforçar com o apoio do governo central. As Memórias Paroquiais urbanas, se bem que pobres para a caracterização social-económica urbana, são por outro lado, ricas de informação sobre as suas instituições religiosas e também da administração política e civil e seus equipamentos. Jaime Ferreira Alves relevou já o seu contributo para a história monumental e artística da cidade no fim do longo ciclo do Barroco e início do Neoclassicismo portuense, quando a cidade arranca para novos voos patrimoniais e urbanísticos. Por outro lado, as Memórias rurais, sobretudo das áreas peri e circum-urbanas e das terras dos julgados ou ouvidorias que constituem o vastíssimo termo do Porto, fornecem importantes elementos para vincar o papel central e centralizador do Porto neste território. A organização e estrutura dos julgados e ouvidorias vai, por regra, bem descrita nas suas instituições político-administrativas do governo destes termos concelhios e na sua articulação e dependência ao município do Porto. Através das ouvidorias reforçam-se as bases de articulação à cidade, pela constituição de patamares jurisdicionais e territoriais de administração do território que permitem gerir este vasto termo, único no quadro nacional pela sua vastidão e fórmula de articulação. Nas Memórias, na zona circundante à cidade, correspondentes a um primeiro círculo (à Thunem) de organização do território e suas actividades económicas em função do grande centro e mercado urbano, é bem visível, por um lado, o papel e tarefas daquelas freguesias dos actuais concelhos da Maia, Matosinhos, Vila Nova de Gaia e Valongo que se especializam no fornecimento de víveres e produtos industriais e matérias primas à cidade, mas também no suporte e articulação da cidade ao vasto território minhoto e duriense. Por outro lado, é possível seguir o papel que tem a rede hidrográfica na construção e unificação económica deste território e sua articulação ao Porto. As Memórias Paroquiais produzem por todo o lado importantes descrições dos rios, em toda a sua extensão, perfis e ligação às terras. Há aqui Memórias particularmente ricas de descrições dos grandes cursos de água que se articulam ao Douro (mas também ao Ave), e particularmente ao papel do Douro como unificador e construtor de grande centro portuário, mercantil e económico da região e de todo o Norte, que é a cidade do Porto». In José Viriato Capela, Henrique Matos, Rogério Borralheiro, As Freguesias do Distrito do Porto, Memórias Paroquiais de 1758, Memórias, história e património, colecção Portugal nas Memórias Paroquiais de 1758, volume 5, Braga 2009.

Cortesia de CPortugalMParoquiais1758/JDACT