terça-feira, 26 de julho de 2016

A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI. Pedro Chambel. «… aparecem amplamente referenciados seres imaginários e mitológicos da Antiguidade, como as sereias, os sagitários, as amazonas e as feiticeiras»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) No entanto, não é apenas pela introdução dos elementos do amor cortês que se manifesta, por parte dos autores dos romances de temática clássica, uma perspectiva medieval do mundo antigo. Na verdade, assiste-se a um constante anacronismo na representação deste, bem patente nos modelos medievais de que se servem para descrever cidades, fortificações, a organização militar, os costumes, jogos, a alimentação ou os comportamentos das personagens. Como refere Ramon Lorenzo, o mundo cortês e cavaleiresco aflora por todas as partes, discute-se sobre o amor à maneira medieval e aparece a imagem do torneio aplicada à guerra. Regista-se, ainda a tendência de designar objectos com qualificativos ponderativos, como os cavalos de Castela ou de Aragão, as espadas dinamarquesas, os escudos de Saragoça, os elmos de Pavia ou os arcos torquescos, entre muitos outros possíveis exemplos. Mas também nas referências religiosas encontra-se presente o anacronismo da representação literária da Antiguidade, com o surgimento das designações de arcebispos, bispos, curas e monjas a personagens dos romances, enquanto se encontram assinalados conventos ou igrejas dedicados a deuses pagãos, e os actos religiosos acabam por transmitir a influência dos praticados pelos cristãos. Quanto à presença e acção nas narrativas dos deuses antigos, ela surge bastante atenuada, não deixando os autores de os apresentar, por vezes, segundo uma óptica evemerista. No entanto, aparecem amplamente referenciados seres imaginários e mitológicos da Antiguidade, como as sereias, os sagitários, as amazonas e as feiticeiras, entre outros. Tal presença relaciona-se com o gosto pelo fantástico e pelos prodígios do público dos romances, presente, igualmente, na descrição de câmaras encantadas, feitiços, mundos imaginários e das raças monstruosas, ou ainda das regiões e animais fabulosos, conjuntamente com referências ao maravilhoso judaico-cristão, como é o caso das descrições e alusões ao Paraíso terreno.
Em suma, é, fundamentalmente, o Oriente que promove o fascínio e desperta a atenção do público cortês. Ele constituía, na altura, um mundo onde as maravilhas e os prodígios se tornavam possíveis, para uma sociedade que em parte o tinha redescoberto graças às Cruzadas. As descrições das regiões longínquas do Ocidente medieval, com os seus habitantes e seres fabulosos, permitiam, igualmente, aos autores da época revelar a sua erudição no que respeitava ao conhecimento das obras dos autores antigos que as tinham relatado. Ora, o anacronismo histórico também se manifesta no retrato, nas atitudes e nos comportamentos das personagens dos romances. Enquadrados em narrativas originárias da Antiguidade, manifestam sentimentos influenciados pela inclusão dos motivos do amor cortês. Por outro lado, apresentando as narrativas de origem clássica desenlaces trágicos, assiste-se a uma concepção de heroicidade marcada pelo fatalismo, revelando-se, assim, a influência das epopeias, ao qual surge associado o amor impossível e trágico. Neste sentido, Jean Frappier referencia a intemporalidade que caracteriza as personagens dos romances de temática antiga, tendo em conta os elementos medievais que se introduzem na sua descrição e nas acções por elas protagonizadas.

O Roman de Troie
Por fim, faremos uma breve referência introdutória ao poema de Benoit de Saint-Maur, ao qual se aplicam as características atrás citadas ao conjunto dos romances do Ciclo Antigo. Assim, as fontes do Roman de Troie foram as obras de Dares Phrygius e Dictis Cretensis, respectivamente, a De excídio Trojae historia e a Ephemeris belli Trojani. Ambas passavam por ser escritas por autores que tinham participado no cerco de Tróia, Dares do lado troiano e Dictis do grego, e que pretendiam corrigir Homero, pois este teria escrito as suas obras 100 anos após os acontecimentos nelas relatados. Hoje supõe-se que o texto latino de Dares pertence ao século VI, enquanto o de Dictis, ao IV. No entanto, na sua origem encontram-se textos mais antigos. As obras dos dois autores gozaram de assinalável êxito na Idade Média, particularmente a de Dares, conservando-se, de ambas, numerosos manuscritos provenientes de diversos locais da Europa». In Pedro Chambel, A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto de Estudos Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.

Cortesia de IEM/JDACT