segunda-feira, 4 de julho de 2016

A Princesa Boémia. Maria João Gouveia. «E foi ali, havia já o paço da Quinta da Boa Vista ascendido a sede de Império, que vieram ao mundo aquela que viria a ser rainha de Portugal, dona Maria II, e Pedro II, o futuro imperador do Brasil»

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«(…) Mancebo demais para o comprometimento de carrear o fado de um reino tão extenso e tão alvoroçado como o do Brasil, o monarca adolescente encontrou nesta sua nova empreitada um entretenimento simples e gracioso. Ou assim o julgava o imberbe imperador Pedro II, desconhecedor de que os desígnios do coração não se ordenam; tampouco a benquerença tem hora marcada. Com um oceano pelo meio a separá-la da Europa e pouco acostumada a receber a visita de majestades de além-fronteiras, a corte brasileira imergira num desmedido e alvoroço para acolher o filho do rei de França! em jeito festivo. Os corredores do piso nobre do Palácio de São Cristóvão encheram-se dos passos apressados dos criados num redopio sem fim, devolvendo ao paço o júbilo e a animação que conhecera à época em que a corte portuguesa se transferira para o Brasil. Tais memórias recuavam até ao início do século, quando, em 1808, fugidos da ameaça das tropas napoleónicas na sua terra natal, João VI e dona Carlota Joaquina se refugiaram na sua colónia brasileira.
A história da arrimada da corte joanina ao Rio de Janeiro, ouviram-na os infantes contar ao seu pai, repetidas vezes. De como família real e cortesão se instalaram no vasto casarão construído pelo mercador português Elias António Lopes no topo de um cabeço, com uma boa vista para o Atlântico, de onde o nome Quinta da Boa Vista. Das modificações e melhoramentos a que, sem delongas, o rei de Portugal procedeu, transformando a propriedade em residência real. E assim, desbravado o mato que a cercava, secos os fétidos pântanos, aplanados os acessos à cidade e ao mar e dignificado o edifício, a casa do comerciante lusitano convertera-se no Paço Real de S. Cristóvão da família de Bragança. Mas João fora mais longe, ordenando a construção de quatro torreões em estilo neogótico, embora apenas o torreão norte tenha sido erguido, e ainda da ala sul e da escadaria principal de acesso ao edifício.
Manuel Costa fora encarregado de dar continuidade às reformas do seu antecessor, John Johnston, acrescentando um torreão, simétrico ao único com que o inglês dotara o conjunto, mas a sua morte cinco anos mais tarde entregaria ao francês José Pedro Pezerat a conclusão das remodelações e o embelezamento dos jardins. Mais tarde tornado o rei a Portugal, Pedro fez instalar o escritório e a sala de espera no piso térreo, colocando no pavimento superior os dormitórios, os quais disfrutavam de vista desafogueada para o pátio, para a cidade e para o mar. As mudanças mais significativas do palácio, no entanto, tiveram lugar por ocasião do casamento do príncipe com Maria Leopoldina de Áustria, como foi o caso a edificação de um colossal portão à entrada, como presente de casamento dos nubentes por parte do general Hugh Percy, segundo duque de Northumberland. E foi ali, havia já o paço da Quinta da Boa Vista ascendido a sede de Império, que vieram ao mundo aquela que viria a ser rainha de Portugal, dona Maria II, e Pedro II, o futuro imperador do Brasil, assim como os demais filhos de suas majestades.
Décadas dobradas, distante que ia o lastimado regresso da família real portuguesa à sua pátria, aquietado o choro pela ida da princesa Maria da Glória para Portugal e finalizado o luto pelas mortes de dona Leopoldina (em 1826) e de Pedro I (oito anos mais tarde), a alcaçaria de Vera Cruz engalanava-se de novo com indícios de festim e de exultação. E os sinais de festividade adivinhavam-se, quer no vaivém dos negros serviçais, carregados de bandejas de prata pejadas de apetecíveis frutas de todas as cores, e bojudas garrafas de cristal repletas de vinho ou sucos vários, como no adorno da corte com exóticas flores tropicais. Liam-se ainda indícios de celebração na chegada de individualidades do império e dos músicos, igualmente convocados às pressas, que agora acorriam à bela Sala de Música de São Cristóvão, transportando os seus instrumentos para os dispor religiosamente nos seus devidos lugares». In Maria João Gouveia, A Princesa Boémia, 2013, Topseller, 20/20 Editora, ISBN 978-989-862-626-4.

Cortesia Topseller/JDACT