quarta-feira, 8 de junho de 2016

Obras Completas. Teixeira de Pascoais. «Ó minha musa triste e d'olhos lacrimosos! Ensina-me a pintar o que é ficarmos sós! Que eu saiba ler nos corações desfortunosos. Que eu aprenda a cantar com lágrimas na voz!»

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A Ventura
«Ó Saudade tantas vezes invocada, Musa, que tantos
infelizes inspiraste! Tu, que nos deixas a nossa alma
iluminada. Que tantas Liras, com teus dedos, afinaste!

Ó saudade que és das dores a mais linda. Que das
tristezas és a mais menina e moça, A mais eleita, a
Desejada, a mais bem-vinda! A que mais nos governa, a
mais senhora nossa!

Enche o meu coração da tua claridade,

Desse raio de luz trémulo e moribundo

Que é o fogo-fátuo de perdida mocidade

Com que o sol, ao morrer, ensanguenta o mundo!

E quando à tarde, em labaredas, o Poente Parece, na
distância, uma outra Roma a arder! É uma saudade, é a
dor que a natureza sente Pelo sol que a fecunda e faz
reverdecer!

Ó minha musa triste e d'olhos lacrimosos! Ensina-me a
pintar o que é ficarmos sós! Que eu saiba ler nos
corações desfortunosos. Que eu aprenda a cantar com
lágrimas na voz!»

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«É sempre ao pôr do sol a hora de partir!

É quando chora uos pinhais o vento norte,

Que tão bem sabe em doidos gritos traduzir

A dor dos que andam sempre ao deus-dará da sorte!

Sempre um sinal do céu aos homens revelou Cada facto
que é, na vida, extraordinário! Quando morreu Jesus o
sol se eclipsou E em convulsões estremeceu todo o
Calvário!

É um adeus afinal a minha vida toda...

Sempre do coração sinto partir alguém!

Que deserto areal descubro, se olho em roda.

Nem sei por que milagre ainda me resta alguém!

Adeus! Adeus! Eis as palavras que aprenderam, Logo ao
nascer, os meus ouvidos infelizes! Em chagas a sangrar
assim os converteram Estas palavras que nos deixam
cicatrizes!

É ao ouvir, dentro do peito, soluçar Desapiedada voz
que só me diz adeus, E me causa tristeza, e faz idealizar
Uma cruzada que conquiste novos céus!

É ouvindo essa voz que em lágrimas chegara Ao mais
recôndito lugar do coração. Onde um dilúvio de repente
se formara, Oue as Bíblias do Amor em verso cantarão!

Que eu vou cantar, meus companheiros d'Aventura, A
facada que contra o peito nos vibrou, Lá numa esquina
deste mundo, em noite escura, A Sorte que funesta
estrela nos ditou!

E que nos fez perder assim os pátrios lares, E nos
deixou sem norte, errantes, vagabundos, Abandonando-
nos à fúria desses mares. Onde tentamos descobrir uns
novos mundos!

E, quais Telémacos entregues ao furor Das tempestades
e dos deuses vingativos, Nós viajamos em procura dum
amor Que vive longe... entre arvoredos primitivos!

Vive encantado, e simplesmente os leais amantes Têm
para ele uma varinha de condão Que, numa noite, os faz
andar terras distantes E um rochedo converter num
coração!

O amor existe. É o eterno sol auroreal Oue de flores
esmalta nosso sentimento. Quem for capaz de amar
possui todo o Ideal, Quem tem um coração é o Deus
dum firmamento!

Mas quantas ilhas desoladas visitamos!

De que tormentos e naufrágios e perigos.

Por milagre de Deus, apenas nos salvamos.

Meus companheiros da Aventura, ó meus amigos!

Mas essa Grécia, aquela praia desejada

Das velhas naus, em pouco tempo, heis-de avistar...

Já no horizonte é como nuvem desmaiada,

E um lenço branco que pra nós está a acenar!

Já se distinguem bem as linhas sinuosas Daqueles
montes onde, um dia, nós nascemos... Ivá nos esperam
outras almas venturosas Que nos hão-de entregar
aquilo que perdemos!

Do nosso lar o fumo perde-se no espaço. Nossa terra
natal já se descobre além... Dois braços eu avisto
abertos num abraço, K naquele alto, à nossa espera, eu
vejo alguém!

Oue lindo mar! Olhai, vede nascer a aurora! Como
brilha no céu a estrela da manhã! O mundo unicamente
é mau para quem chora, B é feliz quem tiver outra alma
sua irmã!»
Poemas de Teixeira de Pascoais, in “Obras Completas

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