domingo, 26 de junho de 2016

Mistérios Sombrios do Vaticano. Paul Jeffers. «Um dos livros que escapou de ser banido foi um romance clássico do século XIX, “A cabana do pai Tomás”. Enquanto estava sendo examinado pelos inquisidores em Roma…»

jdact e wikipedia

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«(…) Indiscutivelmente, o julgamento mais infame da Inquisição (maldita) foi o do astrónomo Galileu Galilei. Nascido em 1564 em Pisa, Itália, Galileu decidiu estudar medicina. Matriculou-se na Universidade de Pisa em 1581, mas logo mudou seus interesses científicos e começou a estudar física e matemática. Entre suas experiências, dizem (mas não há confirmação), estava a tomada de seu pulso para cronometrar as oscilações de uma lâmpada pendurada no tecto da catedral de Pisa. Em suas experiências posteriores, descreveu a física do pêndulo. Jogando bolas de pesos variados do alto da Torre de Pisa, descobriu que caíam com a mesma velocidade e aceleração uniforme. Obrigado por razões financeiras a abandonar a universidade sem obter um diploma, voltou para Florença, mas acabou retornando à universidade como professor e tornou-se figura actuante nas discussões e controvérsias do campus. A rebeldia inerente a Galileu chamou a atenção da faculdade e dos estudantes quando ele zombou do costume de se usarem túnicas académicas, declarando que seria melhor abandonarem as roupas completamente. Após a morte do pai em 1591, tornou-se o responsável pelo sustento de sua mãe e irmãos; por isso aceitou um posto na Universidade de Pádua, que lhe garantia uma remuneração melhor.
Aí ficou por dezoito anos, enquanto ampliava seu interesse pela astronomia, modificando um telescópio simples para poder estudar as montanhas da Lua, as fases de Vénus, as luas de Júpiter, pontos na superfície do Sol e as estrelas da Via Láctea. Ao publicar suas descobertas em um livreto intitulado Mensageiro sideral ou Mensagem sideral (Sidereus nuncius), sua reputação científica subiu como um foguete. Suas observações retomaram o interesse pelas teorias propostas em 1543 por Nicolau Copérnico, segundo as quais o Sol era o centro do universo e a Terra era um planeta giratório que o circundava. Ao abraçar as ideias de Copérnico, Galileu colocou-se em conflito com a doutrina da Igreja sobre a Criação, baseada no relato do Génesis. Conhecida como geocentrismo, essa teoria colocava a Terra como centro do universo e o Sol e as estrelas circulando ao seu redor. Tendo declarado em 1616 que a visão de Copérnico era perigosa para a fé, a Igreja convocou Galileu a ir à cidade de Roma onde recebeu instruções do cardeal Roberto Belarmino para não abraçar, ensinar e defender de maneira alguma, com palavras ou em textos, a doutrina de Copérnico. Foi uma advertência séria. Mas, quatro anos depois, Galileu descobriu que o papa, Urbano VIII, havia declarado que a Sagrada Igreja não tinha condenado e não condenaria a doutrina de Copérnico como herética, mas apenas como temerária, embora não houvesse possibilidade de alguém demonstrar que era necessariamente verdadeira.
Interpretando essas palavras como permissão indirecta para continuar suas pesquisas sobre a visão de Copérnico, Galileu mergulhou nos estudos por seis anos. O resultado foi uma defesa vigorosa de Copérnico em Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo. Ao publicá-lo, Galileu teve que ir novamente a Roma, acusado de desafiar as instruções do cardeal Belarmino. O julgamento por um conselho de cardeais começou no Outono de 1632. Ao concluir o inquérito, um ano depois, a Igreja declarou Galileu suspeito de heresia por ter sustentado e acreditado na falsa doutrina de que a Terra não era o centro do universo. Os cardeais informaram a Galileu, nessa época com setenta anos de idade, que o Santo Ofício (maldito) estava disposto a absolvê-lo desde que ele, com coração sincero e fé não dissimulada, em nossa presença abjure [repudie], amaldiçoe e despreze tais erros e heresias. Declarando proibido o Diálogo, o conselho de juízes o condenou à prisão no Santo Ofício ao nosso bel-prazer. Mas reservaram o poder de moderar, comutar ou revogar a sentença. O que eles fariam dependeria da disposição de Galileu de se ajoelhar diante deles para abjurar. Admitindo em 21 de Junho de 1633 que havia desafiado o aviso de não falar ou escrever em defesa de Copérnico, ele disse: abjuro com coração sincero e fé não fingida esses erros e heresias, e os amaldiçoo e desprezo, e juro no futuro não dizer nem afirmar verbalmente, ou por escrito, o que possa lançar sobre mim suspeitas semelhantes.
Depois de um período de confinamento, Galileu recebeu permissão para voltar à sua casa, perto de Florença, onde viveu recluso, debilitado, e acabou praticamente cego. Ele morreu em 8 de Janeiro de 1642. Os relatos de sua submissão à Igreja, publicados mais de um século depois, contêm uma declaração que pode ser uma lenda. Ao erguer-se depois de ter abjurado, ele teria dito Eppur si muove (E, no entanto, [a Terra] se move). Em Novembro de 1992, em uma cerimónia em Roma, diante da Pontifícia Academia de Ciências, o papa João Paulo II declarou oficialmente que Galileu estava certo. A reabilitação formal baseou-se nas descobertas de um comité da academia formado pelo papa em 1979, logo após assumir o cargo. O comité decidiu que a Inquisição havia agido de boa-fé, mas estava errada. Actualmente o Vaticano tem seu próprio observatório astronómico. O Vaticano observou que os arquivos da Inquisição e o Índex não sobreviveram bem aos séculos. Como a Igreja tinha a tradição de queimar muitos dos arquivos com heresias mais delicadas, e o arquivo da Inquisição havia sido quase inteiramente queimado quando o papa Paulo IV morreu, em 1559, muitos documentos se perderam. Alguns foram levados para Paris sob o domínio de Napoleão em 1810 (…) e mais de 2 mil volumes foram queimados. Alguns caíram nos rios durante o transporte, outros foram vendidos como papel ou se misturaram com outros arquivos. O Vaticano possui actualmente cerca de 4,5 mil volumes, dos quais apenas uma pequena parte se refere aos julgamentos de heresias. O resto trata de controvérsias teológicas e questões espirituais.
A origem das espécies, de Charles Darwin e base da teoria da evolução, nunca foi banido pela Igreja. Ao contrário de algumas igrejas protestantes fundamentalistas que acatam a Bíblia literalmente quanto ao tema de que Deus criou a humanidade, a Terra e o universo em sete dias, o Vaticano recentemente declarou que é possível que algumas espécies, com a ajuda de um poder superior, tenham conseguido evoluir para as espécies existentes no mundo actual. Noticiando a abertura de uma exposição do acervo do arquivo do Vaticano em 2008, a revista Newsweek observou que a mostra incluía documentos sobre as restrições da Igreja ao movimento dos judeus, instruções para a perseguição dos protestantes. (…) Havia mapas do século XVIII descrevendo os guetos de Roma, Ancona e Ferrara, mostrando onde os judeus podiam viver, em rosa ou amarelo, e em azul onde tinham autorização para manter seus negócios. Havia documentos com regras escritas à mão descrevendo quando as mulheres judias poderiam estar fora das áreas restritas e o que poderiam vestir. Havia desenhos das prisões, longas listas de livros banidos e éditos. (…) Um de 1611 descrevia como os inquisidores deveriam se comportar no trabalho e fora dele, e havia uma ilustração mostrando o que as crianças deveriam usar para ir à escola e à praia. Os investigadores eram informados até dos pijamas aceitáveis. Outros documentos visavam caçadores e pescadores, que estariam invadindo o território do Vaticano. E há uma jóia do século XIX, sobre um homem que foi condenado à morte por afirmar que era santo. Os inquisidores tinham autoridade em áreas que iam da iconografia à forma como as imagens de santos e prelados podiam ser retratadas. Essa não foi a primeira vez que a Igreja tentou mostrar que os juízes da Inquisição não eram tão brutais quanto se acreditava anteriormente. Em 2004, o Vaticano publicou um relatório de 800 páginas declarando que daqueles investigados como heréticos pela notória Inquisição (maldita) espanhola, que era independente de Roma no século XV, apenas 1,8% dos acusados foi realmente executado. No entanto, o papa João Paulo II se referiu à campanha de 700 anos da Igreja contra a heresia como uma fase atormentada e o maior erro da história da Igreja. Um dos livros que escapou de ser banido foi um romance clássico do século XIX, A cabana do pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe. Enquanto estava sendo examinado pelos inquisidores em Roma, que formaram um departamento conhecido como Sagrada Congregação do Índex, um dos leitores do Vaticano considerou a história da escravidão nos Estados Unidos um apelo implícito para a revolução. Quando foi solicitada aos inquisidores uma segunda opinião, eles não consideraram o livro prejudicial, e por isso jamais decretaram sua proibição». In Paul Jeffers, Mistérios Sombrios do Vaticano, 2012, tradução de Elvira Serapicos, Editora Jardim dos Livros, 2013, ISBN 978-856-342-018(7)-3(6).

Cortesia de EJLivros/JDACT