domingo, 22 de maio de 2016

Afonso. 4º conde de Ourém. Alexandra Barradas. «A viagem mais longa que o 4º conde de Ourém realizou, não só pelo percurso efectuado como pelo tempo que demorou, na que foi a sua terceira saída de Portugal…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Bruges, no início do século XV, era ainda uma importantíssima cidade mercantil. Nela se cunhava moeda e tinha residência a corte. Artisticamente era também muito desenvolvida. Em 1430 Afonso deverá ter visto nesta sua estada uma bela e curiosa cidade, atravessada por canais bordejados de casas de feição completamente diversa da que estava habituado a ver. Na praça principal da cidade situavam-se inúmeros edifícios civis cuja imponência muito devem ter impressionado o 4º conde de Ourém: o já referido Beffroi, construído por volta de 1300, a que faltava ainda a torre quadrangular que o rematou, e os edifícios, sede das numerosas guildas, que rodeavam a praça, elementos fundamentais da vida económica, política e social da urbe. Também o palácio comunal estava já edificado. Bela peça de arquitectura gótica do século XIV é actualmente um dos mais antigos edifícios da cidade. A Igreja de Nossa Senhora estava também já erguida, mas decerto, a que maior curiosidade despertou em Afonso terá sido a Basílica do Santo Sangue, o mais antigo edifício religioso de Bruges, construída no século XII e que albergava a referida relíquia (Afonso possuía inúmeras relíquias que estavam na Colegiada de Ourém; após o terramoto, as que foi possível recuperar dos escombros da igreja foram distribuídas pelas igrejas das freguesias de Ourém).
Afonso e parte da comitiva portuguesa presidida pelo infante Fernando, terão acompanhado os duques na viagem pela Flandres. E nas cidades e castelos visitados, não deverão ter faltado recepções e festas, onde a magnificência da corte borgonhesa se continuou a afirmar. A este propósito convém realçar que o duque da Borgonha possuía em Gant, primeira paragem daquele périplo, um imponente castelo fundado no século X e ampliado no século XII, Gravensteen, onde, decerto, dona Isabel e o marido devem ter ficado alojados e onde novas festas se realizaram. Nesta cidade estava já erguida a magnífica catedral gótica, dedicada a S. João, mais tarde consagrada a S. Bavão, e o Lakenhalle, mercado das lãs, situado na praça da catedral, que em 1430, andava em construção. O deslumbramento deve ter sido total pelo que, mesmo sem qualquer referência documental que o confirme, não é difícil ajuizarmos que Afonso nunca mais deverá ter esquecido os dias passados na Borgonha e de tudo quanto, nesta que foi a sua primeira saída de Portugal, lhe foi proporcionado ver e admirar.
A segunda missão diplomática levou-o, ao que tudo indica, a um território mais próximo, sendo segura a sua presença em Aragão, provavelmente em Barcelona, no Verão de 1431, como o atestam cartas do respectivo monarca dirigidas aos monarcas Duarte e João I datadas de 22 de Setembro e 20 de Outubro, respectivamente. O secretismo da missão de que ia incumbido impede-nos de saber mais: em que data partiu, que caminho tomou, onde estadeou, com quem se encontrou e quando regressou a Portugal (no dia 1 de Novembro desse ano, 1431, morreu Nuno Álvares Pereira, avô de Afonso; apesar de não existirem referências quanto à sua presença durante as exéquias, cujos relatos de Fernão Lopes e do anónimo biógrafo da Crónica do Condestável são pouco detalhados, parece-nos provável que, se estava ausente, quando soube da notícia, tudo tenha feito para regressar o mais depressa possível a Portugal, portanto, ainda no final de 1431). Barcelona era no início do século XV, um importante entreposto comercial e do seu porto saíam regularmente embarcações que atravessavam o Mediterrâneo estabelecendo a ligação à costa francesa e à península itálica. A viagem Barcelona-Livorno por mar era a forma mais rápida de atingir aquele destino. Barcelona era portanto uma cidade bastante desenvolvida, possuidora de notáveis edifícios. Nesta altura Afonso poderá ter visto o Palácio comunal (Palau de la Generalitat), cuja feição gótica é actualmente apenas visível no pátio interior, que data de 1416 e tem traça de Marc Safont, o Palácio Real (Palau Reial Major), residência dos condes-reis da cidade desde o século XIII e que foi construído incorporando a antiga muralha romana, sendo o actual campanário parte de uma torre de vigia. Outro edifício de carácter civil que muito provavelmente Afonso viu foi a Llotja (bolsa de mercadorias), construída no final do século XIV como sede do Consolat de Mar (o edifício medieval foi totalmente remodelado no final do século XVIII: no piso térreo foi instalada a bolsa da cidade e nos andares superiores funcionou, entre 1849 e 1970, a Escola de Belas Artes de Barcelona, que Picasso e Miró frequentaram; alberga actualmente a Biblioteca Pública e repartições do estado). Próximo situava-se a Igreja de Stª Mª del Mar, eregida também no século XIV com planos de Bérenguer Montagut. A Catedral, apesar de só ter sido concluída no século XIX, já estaria globalmente edificada, uma vez que o início da sua construção, que assentou sobre os vestígios de um templo romano e de uma mesquita mourisca, remonta ao início do século XIV pelo que deverá ter sido visitada pelo 4º conde de Ourém.
A viagem mais longa que o 4º conde de Ourém realizou, não só pelo percurso efectuado como pelo tempo que demorou, na que foi a sua terceira saída de Portugal, foi a primeira missão em que aparece oficialmente nomeado para a chefiar: a ida ao Concílio de Basileia. A comitiva, que era extensa, 124 ou 125 pessoas, saiu de Lisboa no dia 11 de Janeiro de 1436 (o ano da saída de Portugal, nas fontes que consultámos não recolhe unanimidade; uns consideram 1435, Duarte Nunes Leão, Caetano Sousa e Montalvão Machado, enquanto outros, o ano seguinte, António Pereira Figueiredo, Damião Peres, Lita Scarlati, Aida Dias e Joel Serrão no Dicionário de História de Portugal, aponta as duas datas, em 2 artigos diferentes: no relativo a Diogo Mangancha, afirma ter este estado no Concílio em 1436-37; mas no de Vasco Lucena diz que este célebre jurista acompanhou aquela embaixada em 1435. A razão para apontarmos com toda a certeza o ano de 1436, como ano da partida de Lisboa, prende-se com o seguinte facto devidamente documentado: o conde de Ourém pediu ao rei Duarte I para hir fora do regno, a veer tera onde se entom for[a] como ficou registado no texto de frei João Álvares [Obras, edição crítica com introdução e notas de Avelino Almeida Calado, Coimbra, 1960]; a mesma obra situa a data deste pedido por alturas da chegada do abade Gomes, a Portugal, com a Bula da Cruzada [obtida do papa pelo 4º conde de Ourém, na sua passagem por Bolonha onde se encontrava a corte pontifícia, antes de integrar os trabalhos do Concílio em Basileia, e que foi expedida a 8 de Setembro de 1436], que ocorreu em princípios de 1437 em pleno período de preparativos para expedição de Marrocos [in Damião Peres, História de Portugal]; fica assim clara a cronologia da viagem: saída de Lisboa em Janeiro de 1436; estada em Bolonha para negociações com o papa, entre 24 de Julho e 10 de Outubro do mesmo ano; expedição da bula a 8 de Setembro; chegada do abade Gomes no início de 1437). e o 4º conde de Ourém só deve ter regressado a Portugal nos primeiros dias de Novembro de 1438, tendo estado, portanto, em viagem, durante quase três anos. Julgamos mesmo possível, que tencionasse estar fora mais tempo, mas a morte do rei Duarte I a 9 de Setembro de 1438 terá, talvez, antecipado o regresso». In Alexandra Leal Barradas, D. Afonso, 4º conde de Ourém, Revista Medievalista, director Vasconcelos Sousa, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT