sábado, 21 de maio de 2016

Afonso. 4º conde de Ourém. Alexandra Barradas. «O banquete foi servido em baixela de ouro e prata. No exterior da residência régia foi montada uma fonte, em forma de leão, o leão da Flandres, de onde jorrava vinho à descrição; dentro do pátio do palácio»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) No panorama da arquitectura doméstica portuguesa aqueles dois paços, edificados na mesma região, quase que em simultâneo, são peças únicas, jamais repetidas ou sequer imitadas, tanto no que respeita ao seu modelo global, como aos curiosos elementos, os beccatelli, que singularmente as identificam e que constituem uma espécie de imagem de marca do seu proprietário. É certo que encontrámos alguns exemplos posteriores que parecem de alguma forma ter recebido influência destas obras. Mas nunca mais foram vistas mísulas piramidais a apoiar varandas/balcões ou a coroar construções, pátios interiores com colunas e capitéis jónicos ou uma acção arquitectónica global sobre um pequeno aglomerado urbano. A acção do 4º conde de Ourém e marquês de Valença, é no século XV excepção à regra, enquanto a nobreza portuguesa continuava a construir as suas torres ou modestos paços sobradados, Afonso, nos seus domínios ergueu dois edifícios de feição e estilo gótico erudito que se afirmaram na paisagem e se impuseram no local, repletos de novos elementos, curiosas novidades que o seu cosmopolitismo e cultura permitiu apreciar e a sua fortuna adquirir.
O conde de Ourém conheceu boa parte da Europa, o Próximo Oriente e algumas das recém-conquistadas praças portuguesas do norte de África. E se atendermos que estadeou em Londres, em várias cidades da Flandres (Brujes, Gant) e talvez noutras da Borgonha, dos reinos ibéricos (Toledo, Valência, Barcelona), de Itália (Pisa, Florença, Bolonha, Milão, Siena, Roma, Veneza) e do norte da Europa (Basileia, Estrasburgo, Bona, Colónia) tendo chegado a Jerusalém (com passagem pelo Cairo e Damasco), certo é concluirmos que conhecia as mais importantes, desenvolvidas e influentes cidades do mundo civilizado de então. Pelos dados e documentos relativos às viagens que Afonso realizou foi-nos possível definir, relativamente a cada uma delas, o respectivo roteiro, encontros e contactos estabelecidos, bem como a cronologia dos périplos realizados. E dos relatos que chegaram até nós, de dois deles, ida a Basileia em 1436/7 e a Itália em 1452, poderemos inclusivamente presumir interesses, gostos e temperamento, até. A primeira viagem que o 4º conde de Ourém realizou levou-o à Flandres, para o casamento de sua tia, a Infanta dona Isabel com o duque da Borgonha. A viagem foi feita por mar e o percurso, entre Lisboa e os territórios de Filipe-o-Bom passou por Vigo, Ribadeo (um pequeno porto no Golfo da Biscaia) e Plymouth. Em Inglaterra Afonso terá estadeado, pelo menos em Londres. Seguiu depois para a Flandres aportando a Éclusa (devido ao progressivo assoreamento do Zwin, a partir do sinal do século XV, Éclusa foi perdendo importância como porto exterior que servia Bruges, levando a que Antuérpia passasse a ser, no início do século XVI, a nova capital do comércio flamengo; desde meados do século XIX, Éclusa ficou isolada do mar para sempre; situada junto à fronteira da Bélgica, pertence actualmente ao território holandês e é designada por Sluis que em flamengo também quer dizer éclusa/comporta), mesmo no final de 1429. Depois da cerimónia do casamento que se realizou naquele porto no dia 7 de Janeiro de 1430 e dos festejos que se realizaram em Brujes, a comitiva portuguesa que o conde de Ourém integrava, terá viajado durante os primeiros meses daquele ano, ao que parece com os duques pelos seus territórios, num périplo que terá passado por Gant, Lille, Arras, Perone, Noyon, Bruxelas e Malines. Não se sabe mesmo se não terá chegado a ir até à cidade de Nuremberga.
Desconhecemos o tempo que demorou esta viagem, mas há indícios que indicam que talvez em Setembro/Outubro de 1430 o seu regresso se tenha verificado (a 24 de Outubro de 1430, o 4º conde de Ourém solicitou ao papa um indulto para absolvição de todos os pecados e indulgência plenária, a que se juntou o mesmo pedido de dona Beatriz, condessa de Arundel e dona Constância, segunda mulher do seu pai; julgamos que este pedido terá sido expedido já de Portugal; o conde de Ourém Afonso, sobrinho do rei de Portugal, pede o indulto para qualquer confessor o absolver de todos os pecados em artigo de morte e de lhe conceder a indulgência plenária, continuando o efeito de absolvição, mesmo que não morra; solicitam o mesmo indulto dona Beatriz, viúva e condessa de Arundel, filha do rei de Portugal, e a mulher do conde de Barcelos dona Constânça), quase um ano depois sobre a data da partida. Esta primeira viagem do conde de Ourém e tudo o que aconteceu em volta dela, contactos diplomáticos, participação em recepções, cortejos régios, banquetes e festas, visitas a cidades, consideradas na época, as mais cosmopolitas e desenvolvidas tanto comercial como artisticamente, permitiram-lhe a visualização de um mundo, para ele totalmente novo, diferente, admirável que, decerto, lhe terá despertado interesses artístico-culturais. Beleza, grandiosidade, requinte e luxo eram características da corte e da segunda água de rosas para quem se quisesse refrescar. D. Isabel assistiu de uma das varandas do Groote Markt ou Beffroi des Halles, na praça principal de Brujes, às justas e torneios, feitos em sua honra para comemorar o casamento. borgonhesa. O relato da entrada em Bruges, descreve um monumental cortejo, que demorou duas horas a atravessar a cidade que estava toda engalanada, das janelas dos edifícios pendiam tapeçarias e panos coloridos, e onde os intervenientes se apresentavam ricamente vestidos com fatos de seda, veludo, cetim, damasco e os servidores do duque, com o seu emblema bordado nas vestes, todos os dias, enquanto duraram as festas comemorativas do enlace, vestiam roupas de cor diferente. Filipe-o-Bom tinha mandado ampliar e redecorar a sua residência especialmente para aquela ocasião. O palácio de Prinsenhof (desta importante residência dos duques da Borgonha, em Bruges, hoje praticamente nada resta; constituída por um vasto conjunto de edifícios sofreu vários incêndios; as sucessivas reconstruções alteraram profundamente a sua feição medieval; Actualmente, 3 edifícios já do século XIX, ocupam o recinto; uma operação de reabilitação do local motivou a realização de sondagens arqueológicas, durante o ano de 2004, que trouxeram à luz do dia estruturas de suporte, fundações e sistemas de esgotos, bem como conseguiram identificar ainda de pé, parte de uma parede do donjon do antigo palácio ducal e um pequeno edifício daquele conjunto), no coração de Bruges, deveria apresentar-se mais belo do que nunca: uma nova sala, em madeira, foi propositadamente construída para as festas e não faltariam novidades artísticas, tanto em termos arquitectónicos como do respectivo recheio, tapeçarias, peças de ourivesaria, talvez mesmo pinturas. O banquete foi servido em baixela de ouro e prata. No exterior da residência régia foi montada uma fonte, em forma de leão, o leão da Flandres, de onde jorrava vinho à descrição; dentro do pátio do palácio, junto à nova sala onde se realizou o banquete, de outras duas, um cervo e um unicórnio respectivamente, jorravam, da primeira, alternadamente, vinho e licor de hipocraz (bebida quente, composto de canela e amêndoa moídas, misturado com aguardente e açucar) e da segunda água de rosas para quem se quisesse refrescar. Dona Isabel assistiu de uma das varandas do Groote Markt ou Beffroi des Halles, na praça principal de Brujes, às justas e torneios, feitos em sua honra para comemorar o casamento». In Alexandra Leal Barradas, D. Afonso, 4º conde de Ourém, Revista Medievalista, director Vasconcelos Sousa, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT