quarta-feira, 6 de abril de 2016

Pro Salute Animae. A peregrinação do rei Dinis I a Compostela. Antecedentes e consequências. Giulia Vairo. «A exortação do papa não foi vã porque, de facto, em 1318 não se registam outros confrontos directos entre pai e filho, nem entre marido e mulher»

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«(…) A confirmação ideal dos limites temporais (12 de Janeiro / 22 de Fevereiro de 1318) é a carta apostólica, até hoje inédita, de João XXII, datada de 14 de Março 1318, em que o papa concede ao rei Dinis I a possibilidade de outorgar a total remissão dos pecados in articulo mortis, precedida de uma prévia, sincera e contrita confissão, enviada em resposta a uma súplica do soberano, remontando evidentemente a algum tempo antes de jornada ser empreendida, e que poderá ser lida na perspectiva do percurso de purificação ou de preparação ao caminho penitencial ou, mais simplesmente, de reflexão pessoal protagonizada pelo monarca.

O ano da pacificação. 1318
Desde logo, 1318 apresenta-se como um ano chave na vida de Dinis I, a nível público e privado, pois, nos meses que seguiram, irá tomar decisões delicadas, cheias de implicações futuras para si próprio, para a sua família e para o reino de Portugal. O ano de 1317 tinha começado sob os melhores auspícios com o nascimento do neto a que tinha sido atribuído o nome do rei, o infante Dinis (12 de Fevereiro de 1317, terceiro filho do casal formado por Afonso e dona Beatriz, nasceu a 12 de Fevereiro de 1317, S. Eulália), e não a 12 de Janeiro, como a Monarquia Lusitana refere, transcrevendo erroneamente a notícia extraída do Livro da Noa), mas logo foi abalado pelas inquietações, suspeitas e desavenças surgidas na família real, primeiros sinais da guerra civil que, poucos anos depois, entre 1319 e 1324, terá posto à prova a estabilidade do reino. A gravidade da situação foi tal que exigiu mesmo a intervenção do pontífice João XXII, que se expressou sem demora a favor do rei e contra todos os que se opunham e obstavam ao seu governo, ameaçando-os com pena de excomunhão.
Um tal estado de tensão teve que se prolongar até aos inícios de 1318, pois remontam ao mês de Março três cartas apostólicas em que, com tons ligeiramente diversos, João XXII se dirige ao rei, à rainha e ao herdeiro do trono (estes últimos dois mancomunados no ressentimento contra o soberano), exortando-os à reconciliação em nome da concórdia familiar e da paz do reino de Portugal. A exortação do papa não foi vã porque, de facto, em 1318 não se registam outros confrontos directos entre pai e filho, nem entre marido e mulher, mas, pelo contrário, assistimos a uma substancial recomposição do conflito: será necessário esperar pelo ano de 1319 para ver novamente e mais dramaticamente contraporem-se os contendentes. Numa leitura retrospectiva dos acontecimentos, poderia afirmar-se que 1318 se apresenta como um ano de trégua, um ano suspenso entre as primeiras e mais concretas manifestações do conflito (1317) e o violento e definitivo rebentar da guerra civil [(1319-1324), os primeiros sinais da desavença entre Dinis I e o herdeiro do trono tiveram lugar alguns anos antes, entre 1312 e 1313, por ocasião da disputa da herança de João Afonso, conde de Barcelos, que, no princípio, tinha visto contrapor-se o conde Martim Gil, mordomo mor do príncipe herdeiro, e Afonso Sanches, filho natural do rei Dinis. Este último, com o apoio do pai, saiu vencedor da contenda. Também a herança de Martim Gil, falecido no fim de 1312, transitou para Afonso Sanches que, no ano seguinte, foi nomeado mordomo mor do rei]. Uma série de iniciativas empreendidas por Dinis I ao longo de 1318, nos meses seguintes à peregrinação a Compostela, parecem ir na direcção de uma pacificação familiar e de uma diminuição das tensões, que podem ser atribuíveis mesmo à experiência espiritual vivida em primeira pessoa pelo soberano. A Monarquia Lusitana conta que, após a viagem à Galiza, o ano passou tranquilo e sem problemas. A partir dos finais do mês de Abril, o rei mudou-se para Torres Vedras, onde ficou até ao início de Julho, segundo os itinerários. Foi provavelmente durante esta longa estada que Dinis I, numa área rural pertencente ao concelho de Torres Vedras, junto à foz do rio Alcabrichel, ordenou a realização de uma obra pública, um porto, recordado nas fontes como o Porto de S. Dinis, o actual Porto Novo. Além disso, determinou ainda que quem quisesse podia estabelecer-se e construir ali a sua casa, a fim de povoar e tornar viva uma zona até àquele momento desabitada. Na ocasião, decidiu também que, naquela mesma área, se levantasse uma igreja intitulando-a da invocação do seu santo protector, São Dinis, ao qual, por devoção, em 1295, já tinha dedicado a construção de um mosteiro cisterciense, confiado ao ramo feminino da ordem, em Odivelas, nos arredores de Lisboa». In Giulia Rossi Vairo, Pro Salute Animae. A peregrinação do rei Dinis I a Compostela. Antecedentes e consequências, Grupo Informal de História Medieval CITCEM, Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Incipit.  Workshop de estudos medievais da U. do Porto, 2009-2010. GIHM. Coordenação de Flávio Miranda e Joana Sequeira, CITCEM, Porto 2012, IHA, Universidade Nova de Lisboa, ISBN 978-972-8932-94-7.

Cortesia da UPorto/JDACT