quarta-feira, 13 de abril de 2016

Faruk do Egipto. Américo Faria. «Numerosas circunstâncias, entre as quais, sem sombra de dúvida, o problema do Canal de Suez contribuíram para dar à terra do Nilo e ao seu deposto soberano ruidosa actualidade»

jdact e wikipedia

«Num dia em que Faruk, do Egipto, jogava e ganhava, um dos parceiros observou, lisonjeiro: o rei está a vencer! O soberano logo ripostou: hoje, porque dentro de pouco tempo só haverá no mundo cinco reis: o rei de ouros, o rei de copas, o rei de paus, o rei de espadas e o rei de Inglaterra. Foi uma previsão que se vai cumprindo gradualmente. Dir-se-ia que Faruk viu a distância, com rara clarividência, o destino que o arrojaria do trono da terra faraónica para o desterro, que nele não se tornou muito pesado, pela sua grande fortuna pessoal, que lhe aliviou prazenteiramente os dias. É um exílio dourado, o seu. Aquando da sua abdicação forçada, os jornalistas de todo o mundo devassaram até o inconcebível a vida do anafado soberano do Egipto e do Sudão, focando-a em todos os aspectos e de todos os ângulos. É, portanto, uma história assaz conhecida. Vale, porém, à pena recordá-la, fixando-a em breves traços nesta galeria de monarcas destronados.
Numerosas circunstâncias, entre as quais, sem sombra de dúvida, o problema do Canal de Suez contribuíram para dar à terra do Nilo e ao seu deposto soberano ruidosa actualidade. Fazendo parte integrante do império otomano, de que era tributário, o Egipto, na sua História contemporânea, tinha a forma de monarquia hereditária, governada por um quedive (vice-rei) desde 1867. Contudo, em Outubro de 1917, com o desagregar da Sublime-Porta, Fuad I, tornada a pátria independente, tomou o título de rei. Brilhantemente dotado, Fuad I, albanês pelo sangue mas europeu por seus gostos e sua educação, foi inquestionavelmente, entre os príncipes muçulmanos do Oriente, o mais esclarecido. Na África, às portas da Ásia, ele representava o Ocidente, de que havia haurido a cultura e os hábitos. Desposando, em segundas núpcias, uma princesa de sangue, a elegante e formosa Nazli, filha de um velho governador do Cairo, desse matrimónio nasceram Faruk e as suas quatro irmãs. Pela linha materna, o ex-rei do Egipto pôde orgulhar-se de uma ascendência ilustre e antiga, que chega mesmo ao profeta. Mas, ao mesmo tempo, descende em linha recta de um brilhante oficial francês, o coronel de Séve, chamado no Egipto Solimão Paxá, filho de um pobre moleiro de Lião. Nesta mistura de tantos sangues de tipo diferente querem alguns filiar as desigualdades de carácter de Faruk, que o tornavam ora impetuoso e ardente, ora calmo e impassível como uma estátua.
Desde cedo, o príncipe constituiu um problema para o pai. Fuad I, com efeito, para lhe imprimir um pouco mais de regularidade ao temperamento juvenil e irrequieto, entregou a chefia da casa militar do príncipe a um severo mentor, encarregado de o controlar e acalmar-lhe os ímpetos: o general Masry Paxá. Breve, o ardoroso príncipe encontrou nos exercícios físicos, em que foi exímio, um sedativo para os seus impulsos indomináveis. Praticou, quando jovem, com grande perícia, esgrima, natação, equitação, ténis, pólo e, até, boxe. As suas loucuras, rapaziadas se lhe haviam de chamar antes, se chocavam o ânimo dos velhos conselheiros, presos às tradições do trono de Cleópatra, conquistavam, pelo contrário, as simpatias indulgentes do povo. Quero que o meu filho, manifestou o rei Fuad, de certa vez, seja educado longe de toda a lisonja, de toda a adulação, que aprenda a disciplina, o respeito ao dever, e que adquira conhecimentos sólidos. Não conseguiu cumprir integralmente esse plano de educação. Mas no ponto de vista de cultura não foram as suas esperanças iludidas. Faruk foi aluno da Real Academia de Woolwich, onde fez estudos apreciáveis, sendo muito auxiliado pelo sábio Ahmed Hassanein, chefe da sua casa civil. Como grande parte dos egípcios, Faruk logo demonstrou assinalável facilidade para as línguas. Dominava perfeitamente várias, entre as quais o inglês, o francês e o italiano. Obedecendo à rígida disciplina das escolas inglesas, Faruk levantava-se às seis horas da manhã, e esse saudável hábito acompanhou-o pela vida fora, e, depois de um pequeno passeio a cavalo, entregava-se ao estudo intelectual. Sentindo grande atracção pela leitura, lia de preferência livros franceses. Coleccionou amorosamente velhos livros, edições raras, encadernações luxuosas, manuscritos antigos, medalhas e armas do passado». In Américo Faria e Herdeiros, 1958, Dez soberanos destronados, Grandes Soberanos Destronados, Edições Parsifal, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-8760-00-5.

Cortesia de Parsifal/JDACT