terça-feira, 22 de março de 2016

O Último Segredo de Da Vinci. David Gutierrez «De repente viu-se envolvido pela mais completa escuridão. A água gelada enrijeceu o seu corpo, enquanto movia rapidamente os braços e as pernas tentando em vão chegar de novo à superfície»

Cortesia de wikipedia e jdact

O enigma do Santo Sudário. 1502. Florença
«(…) A existência de Leonardo Da Vinci, no aspecto pessoal, baseara-se em evitar a todo O custo qualquer confronto. De facto, buscava sempre reconciliar-se com todos os que, muitas vezes por rivalidades incitadas por terceiros, iniciaram alguma disputa ou discórdia. Inclusive estava disposto, quando necessário, a rebaixar-se, a assumir parte de uma culpa que muitas vezes nem tinha, pois era de natureza cordial e amável, em nada vaidoso ou orgulhoso. E ainda que essa atitude lhe houvesse proporcionado alguns episódios infelizes, sobretudo com Michelangelo Buonarotti, a quem, em segredo, admirava, preferia continuar mantendo essa postura. Está bem, aceitou Leonardo, inclinando a cabeça. Tentarei fazer o que me pedis, senhores. Mas não posso prometer nada. E, quanto ao tempo, necessitarei de pelo menos um ano; pode ser que mais... Tereis quatro semanas ao todo, disse César já aparentemente calmo. Não dispomos de mais tempo. Sabemos que o fareis com a vossa costumeira mestria, interveio o papa. E, tentando lembrar-se, perguntou: como era mesmo a vossa divisa, Leonardo? Obstinato rigore, santidade, respondeu este com um fio de voz. Obstinado rigor de alcançar a perfeição. É isso: obstinado rigor.

Paris. 1888
A noite estava fria e desagradável. A Cidade Luz, Paris, tomava-se, nessas horas, um manto de sombras, no qual a iluminação da rua quase não podia penetrar. A iluminação a gás ainda não havia chegado àquela parte da cidade. No ar, um fétido cheiro de mofo que exalava do Sena misturava-se com o repugnante aroma de peixe podre das mercearias e das imundícies que eram jogadas no rio. E para completar o fedor de cerveja rançosa que vinha das pouco recomendáveis tabernas. Aquele era o lugar onde assassinos, bêbados e prostitutas se divertiam até amanhecer e onde terríveis figuras tramavam intrigas e mortes. Jean Garou ia para casa, como todas as noites, porém um pouco mais tarde que de costume. Administrava uma peixaria que havia pertencido à sua família durante gerações, próxima ao cais: uma casinha de madeiras podres que já tivera melhores dias. Dirigiu-se ao cais, olhando para todos os lados com medo e tentando examinar as sombras. Já fora atacado várias vezes; numa delas, inclusive, ficou ferido gravemente. Ao lembrar-se desse facto, passou a mão pelo rosto quase se esquecendo da cicatriz que lhe atravessava as bochechas. São maus os tempos para os homens de bem, sussurrou. Ouviu ao longe o uivo de um melancólico cão, como se este quisesse confirmar as suas palavras. Jean olhou para o céu. As nuvens cobriam grande parte dele, ainda que às vezes a lua cheia conseguisse mostrar-se. A sua luz iluminava a catedral de Notre Dame, que ficava a leste, na ÎIe de la Cite, dando-lhe uma silhueta fantasmagórica. Havia muitas lendas a respeito dessa catedral, antigos mitos sobre sociedades secretas e poderosos cavaleiros. Garou perguntava-se sempre o que haveria de real naqueles contos de bruxas. Algo aconteceu quando a lua apareceu novamente entre as nuvens. Por um breve instante, Jean pensou ter visto algo brilhando no rio. Foi até a beira do cais, entre curioso e com medo. Tentou enxergar entre as águas escuras, mas não pôde ver nada. Ajoelhou-se e observou com mais atenção. Intrigado, inclinou-se até que o seu nariz quase tocasse a água do rio. Onde...? Ouviu passos atrás de si, seguidos de gargalhadas grotescas e ameaçadoras. O barulho surpreendeu-o, fazendo-o perder o equilíbrio e cair no rio. De repente viu-se envolvido pela mais completa escuridão. A água gelada enrijeceu o seu corpo, enquanto movia rapidamente os braços e as pernas tentando em vão chegar de novo à superfície. Havia algo a segurar a sua perna, que o impedia de sair. Estava aterrorizado: tanto, que se esqueceu de onde estava; e gritou, gritou com todas as suas forças. Mas só conseguiu ouvir um som abafado e estranho. A fétida água entrou em seus pulmões pelo nariz e pela boca. Estava afogando-se e, mesmo assim, sentindo náuseas. Estava perdendo os sentidos; sentia como se a sua consciência se dissolvesse na mesma água que o estava matando. Olhou pela última vez para o céu. A lua apareceu entre as nuvens, rodeada por uma auréola esverdeada, distorcida... foi nesse momento que o viu. Encontrava-se diante dele. Com as poucas forças que lhe sobravam, estendeu o braço lentamente. Sentiu a sua superfície fria nas pontas dos dedos e um calafrio percorreu o seu corpo quando, finalmente, o segurou. Nesse momento sentiu-se livre. O que quer que estivesse a segurar a sua perna simplesmente o havia soltado. Quando conseguiu chegar à superfície, inspirou o ar com tanta força que sentiu dor no peito. Com dificuldade, conseguiu chegar ao cais, onde permaneceu imóvel durante algum tempo, vomitando água e tentando recuperar o fôlego». In David Zurdo Ángel Gutierrez, O Último Segredo de Da Vinci, O enigma do Santo Sudário, Editora Novo Século, 2005, ISBN 858-891-696-7.

Cortesia de ENSéculo/JDACT