quinta-feira, 24 de março de 2016

O Pecado Espanhol. Carlota Joaquina. Marsilio Cassotti. «… elaboram em dezanove artigos um conjunto de medidas que acabavam com a política de confronto com Espanha seguida por Pombal na zona do Rio da Prata»

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Ninguém sabe mentir tão elegantemente como a rainha (1775-1780)
«(…) Independentemente destes aspectos, trata-se de uma obra de propaganda cortesã. Na realidade, desde finais de 1776 que Carlota não só começava a fazer as delícias do seu avô, como também, como consequência da mudança de política em relação aos matrimónios dinásticos da rainha dona Maria I, começava a ter possibilidades reais de se converter numa candidata à mão do único infante português que ainda não se tinha casado. Uma esperança que cresceu a 1 de Outubro de 1777, quando Espanha e Portugal assinaram no Palácio de San Ildefonso o tratado que tem o nome desse lugar. Para o efeito, voltavam a fixar-se (pela enésim a vez) os limites entre os dois reinos no continente sul-americano e a Colónia do Sacramento (situada na actual República do Uruguai, em frente a Buenos Aires) mudava outra vez de dono, passando desta vez para as mãos de Espanha, que, no entanto, cedia em troca o território do Rio Grande do Sul (actualmente pertencente ao Brasil), já então ocupado por Portugal. O acordo previa, além disso, a assinatura no ano seguinte de outro acordo de aliança e comércio. Sem perder tempo, o rei Carlos III emitiu a 27 de Outubro desse mesmo ano uma real cédula na qual dava por definitivamente constituído o vice-reinado de Rio da Prata, uma imensa unidade geográfica que abrangia as actuais repúblicas da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, uma franja do Chile, uma parte do Sul do Brasil e as ilhas de Fernando Pó e Ano Bom, na Guiné Equatorial.
O artífice destas duas medidas foi o dinâmico secretário de despacho do rei espanhol, o conde de Floridablanca. Educado em Salamanca, segundo critérios do Iluminismo espanhol, era considerado um ministro reformista, embora tenha mudado radicalmente depois da Revolução Francesa, o que explica que tenha mantido até ao fim da sua vida uma boa relação com Carlota Joaquina, a qual era considerada uma mulher de ideias reaccionárias, adquiridas em parte também como consequência dessa mesma revolução. Depois da assinatura do Tratado de San Ildefonso, Carlos III encarregou Floridablanca da preparação da viagem a Espanha da sua irmã, a rainha-viúva de Portugal, para tratar da assinatura do Tratado de El Pardo, anunciado no anterior. Assinado a 11 de Março de1778, no palácio com o mesmo nome próximo de Madrid, este tratado estabelecia a mais íntima e indissolúvel união entre ambas as Coroas, a que naturalmente as conduzem a situação de vizinhança das duas, os antigos e modernos enlaces e parentesco dos seus respectivos soberanos. Com este objectivo, o muito alto, muito poderoso e muito excelente príncipe, Carlos III, rei de Espanha e das Índias, e a muito alta, muito excelente e muito poderosa princesa dona Maria, Rainha de Portugal, dos Algarves, etc. [sic], através dos seus ministros plenipotenciários, o conde de Floridalanca [sic] e o comendador da ordem de Cristo, Francisco Sousa Coutinho, embaixador da rainha em Madrid, elaboram em dezanove artigos um conjunto de medidas que acabavam com a política de confronto com Espanha seguida por Pombal na zona do Rio da Prata. E, no que diz respeito ao futuro matrimonial de Carlota, deixava aberta de modo implícito a possibilidade da boda do infante João com alguma das netas do rei de Espanha. É possível que a rainha-viúva, dona Maria Ana Vitória, tenha trocado com o irmão retratos dos seus respectivos familiares, como era costume fazer-se nestas ocasiões, incluindo, possivelmente, uma imagem do seu neto, o infante João.
É certo que foi a primeira vez que viu a futura mulher deste. Embora não exista menção de que foram feitas cópias do retrato de Mengs, não é improvável que dona Maria Luísa tenha mandado executar alguma de dimensão reduzida para a oferecer à sua tia e assim promover a infanta Carlota na corte portuguesa. Não se pode descartar igualmente que em alguma das conversas privadas entre os irmãos régios, sobre o futuro matrimonial do infante João, tenha sido mencionado o nome da primogénita dos príncipes das Astúrias como a melhor candidata. Com efeito, a rainha-viúva de Portugal permaneceria quase um ano em Espanha. Mas ambos os monarcas sabiam que não era prudente naquele momento tornar público esse nome, uma vez que as resistências portuguesas a uma infanta espanhola seriam muito grandes. Em todo o caso, num primeiro momento Floridablanca propôs como candidata outra neta do seu senhor: uma italiana, a arquiduquesa Maria Teresa Habsburgo, nascida em Florença em 1767, ou seja, no mesmo ano que o infante João, e que era filha de uma filha do rei de Espanha casada com o grão-duque da Toscana. Curiosamente, mais tarde, uma sobrinha dela, a arquiduquesa Leopoldina Habsburgo, acabaria por se casar com o primogénito de dona Carlota e converter-se em imperatriz do Brasil». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.

Cortesia EdosLivros/JDACT