terça-feira, 15 de março de 2016

História de um casamento. Alexandre Borges. «Depois, virá a realidade: o amor que Dinis não teve por dona Isabel. … provável que nunca tenham sentido qualquer atracção um pelo outro»

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O rei Dinis I e a Rainha Santa Isabel
«(…) O matrimónio acontece por procuração a 11 de Fevereiro de 1281, em Barcelona. São os embaixadores portugueses quem ouve o sim da nova rainha: Eu, Isabel, filha do ilustríssimo Pedro, por graça de Deus, rei de Aragão, entrego o meu corpo como legítima esposa a Dinis, rei de Portugal e do Algarve, ausente como se estivesse presente. Ela tem 11 anos, ele tem 20, mas só se conhecerão um ano e quatro meses mais tarde, depois de uma longa e cautelosa travessia dum lado ao outro da Península, já que Castela se encontra em guerra. O pai acompanha-a até à fronteira de Aragão; a partir daí, segue escoltada pelo infante Jaime, seu primo, com criados, confessores e camareiras carregando as arcas com o enxoval. Entra em Portugal pela fronteira da Beira, onde a aguarda Afonso, o cunhado. Marido e mulher só se verão pela primeira vez olhos nos olhos em Julho de 1282, em Trancoso. Há fogueiras, banquetes e festejos. Depois, virá a realidade: o amor que Dinis não teve por dona Isabel.
Quando Dinis casou com dona Isabel é provável que o seu primeiro filho bastardo, Pedro Afonso (filho de Grácia Frois) conde de Barcelos, já tivesse nascido. O segundo, Afonso Sanches (filho de Aldonça Rodrigues Talha), futuro senhor de Albuquerque e rival do seu meio-irmão Afonso IV, nasce ainda antes de rei e rainha terem qualquer filho legítimo. O terceiro, João Afonso, senhor da Lousã, terá vindo ao mundo por volta de 1280, mais ou menos pela mesma altura de Constança, a primeira filha de dona Isabel. Ao todo, Dinis haveria de ter pelo menos oito bastardos, quase todos nascidos até final do século e quase todos de mulheres diferentes (Fernão Sanches, 1280; Pedro Afonso,1280; e da relação amorosa com Branca Lourenço Valadares houve Maria Afonso,1302). Já sabemos que, naquele tempo, invulgar era encontrar o rei que não tivesse filhos ilegítimos. Era visto como um procedimento normal, que assegurava a descendência em caso de infertilidade das rainhas e garantia, frequentemente, um laço de sangue entre a Casa Real e senhoras escolhidas entre importantes casas senhoriais, mas Dinis, digamos, abusou. Abusou no número de amantes, até porque não consta que se tratassem, amiúde, de senhoras nobres, no número de filhos e na total despreocupação para com as fases da vida da legítima esposa em que os teve. E abusou ainda num requinte final: entregou boa parte destes bastardos à mulher, para que os educasse como se fossem dela.
Com dona Isabel, o rei teve apenas dois filhos: Constança nasceu quando a rainha tinha já 20 anos, relativamente tarde, sobretudo se levarmos em conta que estava já casada há oito; Afonso vem no ano seguinte. A filha foi logo prometida em casamento ao herdeiro do trono de Castela; Afonso seria o herdeiro natural à Coroa portuguesa. Assegurada esta formalidade, o monarca Dinis parece não ter voltado a preocupar-se com o assunto. Durante largos períodos do ano, rei e rainha não vivem juntos sequer. Ele é um homem impetuoso, carnal, viril; ela, uma mulher espiritual, de grande devoção religiosa, a tal criança que cresceu educada para ser rainha e santa. Do ponto de vista amoroso, é provável que nunca tenham sentido qualquer atracção um pelo outro.

Ai flores, ai flores do verde pinho
se sabedes novas do meu amigo,
ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores, do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado,
Ai Deus, e u é?

In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

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