terça-feira, 29 de março de 2016

D. Pedro V. O seu Reinado. Júlio Vilhena. «No tocante à questão das subsistências, o rei desejava que se fizessem inquéritos e outros trabalhos que se publicassem para que o país conhecesse as diligências empregadas para a resolver»

jdact e wikipedia

De acordo com o original

«(…) Em 21 de Dezembro foi reaberta a Universidade, mandando-se começar os trabalhos no dia 7 de Janeiro. Deste modo o ano lectivo de 1855-1856 ficou encurtado em relação ao ano normal, não obstante as aulas de direito, teologia e medicina funcionarem até 20 de Junho e as de filosofia e matemática até 10 de Julho. Lembraram-se os estudantes de pedir perdão d’acto; o rei, porém, não se mostrava inclinado a conceder-lho. E, para que o seu governo não pudesse alegar ignorância, escrevia a Rodrigo: Não sei qual será a opinião do Governo a semelhante respeito; a minha, quási que escusaria de dizê-lo, é contrária ao que considero um grande mal não só para a instrução como também para os interesses da fazenda. Se em tempos ordinários é tão grande a produção de bacharéis, e tão escassos os meios de dar vasão a esse produto; que será se facilitarmos ainda mais essa produção! Além disso tendo-me eu constantemente ocupado da instrução pública e lamentando os males que provêem da facilidade com que entre nós se alcança a instrução superior, seria, creio eu, uma singular contradição eu não opor-me a pedidos absurdos, que nem sei se efectivamente existem. No entretanto julguei dever referir isto que acabo de dizer, porque entendo que é sempre melhor prevenir do que remediar.
O expediente corria, entretanto, regularmente. O rei aprovava os estatutos do Montepio das Secretarias de Estado e parecia-lhe que este seria o melhor modo de regular as pensões (carta a Rodrigo Fonseca, de 25 de Novembro de 1855). Também lhe submeteram à assinatura um decreto sobre o ensino veterinário, mas esse ficou dependente de mais acurado exame: Quanto ao decreto reformando o ensino veterinário ainda me reservo examiná-lo mais miudamente, e para isso pedi ao duque que viesse cá. Concordo com muitas das disposições, quanto a outras careço de conhecer os motivos que lhes deram razão de existência. A demora que daí possa provir não há de ser grande, e certamente não se estenderá como em certos papéis urgentes, por exemplo, de Julho de 1853 a 1855. No projecto não se pode negar que existem alguma poesia, e algumas ilusões.
E em outra carta (21 de Dezembro) indica o que supõe mais conveniente fazer: Quanto ás coudelarias militares ou antes potris eu lembraria que, estabelecendo-se em princípio, se estabeleçam na realidade como ensaios em ponto limitado e só naquellas localidades que para isso apresentarem melhores condições. Igual reflexão farei relativamente ao estabelecimento do ensino veterinário em todas as escolas regionais. Eu julgaria a propósito começarmos pelo ensaio no Instituto de Lisboa ou num dos dois do reino. O sistema de ensaios, sobretudo nestas cousas que variam segundo as necessidades dos paises, parece-me sempre o melhor. Recebe-se assim a confirmação ou desengano das ideas, sem correr o perigo de gastar grossas somas com a sua generalisação.
No tocante à questão das subsistências, o rei desejava que se fizessem inquéritos e outros trabalhos que se publicassem para que o país conhecesse as diligências empregadas para a resolver. Em 15 de Dezembro dizia a Rodrigo: Eu tinha lembrado ao Fontes, antes da sua partida para Londres, a vantagem do governo mandar proceder a trabalhos tendentes a esclarecer esta questão. Dando-se publicidade a esses trabalhos, ter-se hia, no meu intender, justificado pela linguagem dos factos a conduta que se seguisse. Em França o Governo seguiu, segundo as notícias que tenho, esta marcha, como se pode ver por um interessante artigo de Mr. de Villèle na Revue Contemporaine; e a franqueza com que falou ao país fez-lhe bem. Verdade é que em França tudo quanto o governo fizer é bem feito, porque não há nesse país quem se possa colocar na posição de contradizer os actos de uma autoridade omnipotente. Respondeu-me ele Fontes que estes documentos os tinha o governo em seu poder, mas que lhe parecia que seria espalhar o terror o dar uma grande atenção a factos que, com quanto graves, comtudo não se apresentavam com um aspecto ameaçador. Como eu muitas vezes me posso enganar e forçosamente me hei de enganar, não insisti, deixando ao tempo o decidir da judiciosidade da minha idea.
E acrescenta: Muito longe de mim dar a importância que se pretende dar aos factos ultimamente conhecidos, muito longe de mim o acreditar na gravidade da nossa situação alimentícia, todavia perguntarei agora que um mês se passou desde que me lembrei de aventar essa idea: não teria o governo ganho na opinião pública mostrando, ainda mesmo quando fosse deitando poeira aos olhos, que tomava a peito uma questão séria, e que procurava os meios de esclarecer sobre ela o público para impedir os terrores, etc? A questão tem sido fortemente debatida pela imprensa periódica. Gosto dessas discussões; estimarei que as haja sempre que se trate de um objecto sério e que afecte a sociedade toda. Sinto, porém, que o princípio de oposição tão necessário para a existência de um governo constitucional, se desvirtue fazendo-o passar da altura em que êle devera ser colocado ao campo das misérias pessoaes». In Júlio de Vilhena, D. Pedro V, O Seu Reinado, Academia das Ciências de Lisboa, DP 664V55, 610415, 4755, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.

Cortesia da UCoimbra/JDACT