quarta-feira, 16 de março de 2016

A Estátua do imperador Maximiliano. Pedro IV. Alexandre Borges. «Os opositores políticos acusaram-no de maus tratos e agressões à esposa legítima e, mesmo subtraídos exageros e oportunismos, havia a imagem precocemente decadente da jovem imperatriz»

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«(…) Pedro só deixaria o Brasil pelo mínimo tempo possível e para acudir a uma crise familiar que poderia tomar proporções catastróficas... Em 1826, o pai morre em circunstâncias misteriosas e o irmão Miguel, com o apoio da mãe, espreita a oportunidade de tomar de assalto o poder. Pedro regressa então a casa, pela primeira vez em 18 anos. É aclamado rei como Pedro IV mas sabe que não lhe permitirão acumular as duas coroas, portuguesa e brasileira. Toma o pulso ao país, sente a tensão entre os liberais que fizeram a revolução e os absolutistas que contestam a perda de privilégios e redige a Carta Constitucional, um compromisso entre a primeira Constituição de 1822, depurado de radicalismos, e algumas concessões aos adeptos do antigo regime. Com poucas revisões e interrupções, este documento, inspirado na Constituição que dera ao Brasil e defendido por alguns como a lei fundamental mais equilibrada que Portugal alguma vez teve, estará em vigor até ao expirar da monarquia, em inícios do século XX. Por fim, Pedro IV abdica do trono em favor da filha mais velha, dona Maria da Glória. Mas, como ela tem apenas sete anos, determina que o infante Miguel regresse de Viena, para onde foi exilado depois de tentar dois golpes de Estado contra o pai, renuncie aos seus velhos ímpetos absolutistas e cumpra a Carta, case com a sobrinha e seja regente do trono até que esta atinja a maioridade. Com invulgar lucidez e sentido de acção, Pedro IV foi rei de Portugal durante uma semana, mas foi quanto lhe bastou para desatar o nó que ameaçava destruir o país. Dali a dias, já estava de regresso ao Brasil amado, depois de protagonizar o mais curto reinado da História portuguesa, mas, por certo, um dos mais influentes. No entanto, a aura de herói não duraria para sempre.
Em Dezembro daquele mesmo ano, a arquiduquesa Leopoldina, sua mulher, morre sem ter sequer 30 anos, e a responsabilidade da tragédia é atribuída a Pedro. Não lhe bastou ter um número incontável de amantes e filhos ilegítimos, também os quis trazer para o Paço e apresentar à mulher. Obrigou mesmo Leopoldina a receber como camareira uma das mulheres com quem dormia e educou alguns dos bastardos ao lado dos filhos naturais. Os opositores políticos acusaram-no de maus tratos e agressões à esposa legítima e, mesmo subtraídos exageros e oportunismos, havia a imagem precocemente decadente da jovem imperatriz a denunciar um estado de infelicidade a que o marido não podia ser alheio. Com Domitília Castro, marquesa de Santos, manteria um romance assumido e que nem a morte da mulher faria refrear. Ao todo, imperador e marquesa teriam cinco filhos, três durante o casamento com Leopoldina; os restantes depois. O tenebroso retrato da família imperial acendeu o rastilho da contestação ao pai da pátria. Seguiram-se as acusações de autoritarismo e indecisão entre ser senhor do Brasil ou de Portugal. O cerco apertava-se para Pedro, mesmo que tivesse feito o impossível: num continente dilacerado por tribos e interesses estrangeiros, criou um país unificado de dimensões ciclópicas, desenvolvido e poderoso. Em 1829, casa em segundas núpcias com dona Amélia de Leuchtenberg, têm uma filha, dona Maria Amélia, e vivem uma relação aparentemente feliz, que levou Pedro IV a afastar-se, por fim, de Domitília Castro. O imperador chama a Amélia a sua salvadora, mas o seu tempo no Brasil tinha chegado ao fim. A pressão acentuava-se e o libertador prefere sair com dignidade: a 7 de Abril de 1831, abdica em favor do último filho que teve da malograda Leopoldina: Pedro, de apenas cinco anos, assim tornado Pedro II, imperador do Brasil». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

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