sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Uma Tapeçaria Inédita. Feitos de D. João de Castro. Pedro Dias. «Para a quinta da Penha Verde João de Castro levou certamente muito do que trouxe das suas primeiras viagens, e não trouxe muito mais, nomeadamente o que estava no seu palácio em Goa»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Seja este qual for, na placa do lado direito, destaca-se um português montando a cavalo, que parece o mesmo que está sentado à mesa, tendo a montada ajaezamento de luxo e pompa, como as que eram usadas quando o vice-rei saía à rua, em Goa, por exemplo, sendo seguido por militares, um com um mosquete e outro com uma rodela e uma lança. Pode ser a representação da entrada triunfal de João de Castro em Goa, e lembram a iconografia da série de tapeçarias alusivas aos seus triunfos, embora não possa aqui haver mais do que uma mesma fonte documental ou oral. Anota a documentação régia portuguesa que, entre 1550 e 1552, existia na colecção da rainha dona Catarina um cofre de marfim todo lavrado com figuras em redor, com a fechadura e chave de ouro, guarnição de prata, que lhe tinha sido enviado por João de Castro; poderia muito bem ser este. Conhecendo-se a personalidades de João de Castro, e também que averiguadamente morreu pobre, era mais do que natural que fizesse seguir para Lisboa, para João III ou para a sua soberana, aquilo que de mais valioso recebia, no desempenho das suas funções de vice-rei, isto é, de representação do rei ao mais alto nível. Entenderia estas dádivas como ofertas de Estado, e não como presentes pessoais.
Mas as dádivas ao vice-rei João de Castro que estão documentadas nos nossos arquivos não ficaram por aqui. Anotámos também dois grandes anéis de olho-de-gato. Estes anéis tinham olhos-de-gato engastados, e foram avaliados em Goa, em 560 pardaus, pelos lapidários Francisco Pereira e André Marques. Já em 1542 o rei de Kotte lhe havia mandado um outro anel grande, também de olho-de-gato, e mais quatro. Em Novembro do ano seguinte aumentou as dádivas, agora com uma manilha de ouro e pedraria. Ao filho, Álvaro de Castro, ofereceu, em 1545, uma arelhana de ouro com três olhos-de-gato. No ano em que morreu, ainda o monarca de Bisnaga lhe deu um valioso anel de ouro com um enorme rubi roxo, o que era raro, que valia 500 pardaus.
Para a quinta da Penha Verde João de Castro levou certamente muito do que trouxe das suas primeiras viagens, e não trouxe muito mais, nomeadamente o que estava no seu palácio em Goa, pois morreu lá, se bem que esses bens pertencessem aos seus herdeiros. ...Prover de todo o mobiliário e necessidades..., o Palácio da Fortaleza, segundo o holandês Jan Huyghen van Linschoten, era a mais premente tarefa dos novos vice-reis, já que, quando da saída do antecessor, tudo era levado, ficando a parecer ...uma casa destruída e roubada... Quando o novo titular chegava a Bardês, instalava-se no Colégio dos Reis Magos, onde esperava a saída daquele que ia substituir, enquanto os seus servidores compravam o que era necessário para o palácio, pois era do seu salário que deveria prover a manutenção e equipamento. Assim, dos leitos às cadeiras, passando pelos mais comuns instrumentos de cozinha e pelos tecidos, tudo era comprado com dinheiro do vice-rei, que se tornava assim seu proprietário legítimo, pelo que, no regresso, naturalmente embarcava tudo para Lisboa. João de Castro, surpreendido pela morte, ainda em funções, não o fez.
As coisas mais comuns, de uso quotidiano e sem valor significativo, deviam ser vendidas ou oferecidas a servidores e instituições, já que o espaço nas naus da Carreira da Índia era precioso, para as caixas de liberdades e para os fardos com bens de alto preço, pelo que só devia ser embarcado o que efectivamente valesse a pena; veremos a documentação que confirma esta ideia. João de Castro levou para a sua quinta da Penha Verde estelas indianas, conservando-se ainda duas in situ, ao cimo das escadas que conduzem ao espaço onde mandou fazer a capela de planta circular da invocação de Nossa Senhora do Monte, onde desejava ser sepultado. Foi Diogo Couto quem pela primeira vez escreveu sobre inscrições trazidas para o Reino, e criou-se até a lenda de que uma teria pertencido ao famoso templo da Ilha de Elefanta e que tinha sido oferecida a João III por Nuno Cunha. Sabe-se hoje que assim não é, e o mais provável é que estes dois monumentos epigráficos tenham sido trazidos pelo próprio João de Castro, após a sua primeira ida à Índia, ou então tenham sido despachadas para o Reino, conjuntamente com o resto dos seus bens móveis que foram arrolados após a sua morte prematura. Nos textos do vice-rei há referências a lápides escritas em línguas orientais, e é natural que estando a Epigrafia Clássica então em voga em Portugal, sobretudo no círculo da Corte, tivesse querido ficar com exemplares asiáticos que certamente reputava contemporâneos daqueles romanos, que os seus amigos recolhiam nos arredores de Évora.
Mas João de Castro foi também um amante da arte europeia. Possuiu uma belíssima escultura de Nossa Senhora com o Menino, que lhe terá sido oferecida por Carlos V, quando da conquista de Tunes, obra seguramente florentina, mas cujo autos não conseguimos identificar. Também italiano é o relevo que está no altar da sua capelinha de Nossa Senhora do Monte, na quinta da Penha Verde, obra que ele mesmo deve ter traçado, ele que conhecia Vitrúvio e seguramente os outros tratados renascentistas que então já corriam na Península Ibérica em vulgar ou em Latim, e que é já mais evolucionada, num pré-maneirismo, e que pode ser de uma boa oficina de Nápoles ou mesmo de Roma». In Pedro Dias, Uma Tapeçaria Inédita da Série dos feitos de D. João de Castro, A importação de esculturas de Itália nos séculos XV e XVI, Coimbra, 1987.

Cortesia de Wikipedia/JDACT