quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Bispo Jorge Almeida. 1482-1543. Maria de Lurdes Craveiro. «Em sintonia com os processos de visibilidade do poder e em rivalidade explícita com o poderoso mosteiro de Santa Cruz, a Sé demarcou-se dos circuitos de interioridade e construiu os sinais distintivos da autoridade sobre a comunidade dos fiéis»

Cortesia de wikipedia

Renovação espiritual e reconstrução da Antiguidade na diocese de Coimbra
«Identificar o bispo Jorge de Almeida como homem moderno é, porventura, insuficiente e historiograficamente ineficaz. A sua dimensão plural ou a obra vastíssima que fez levantar na diocese de Coimbra, cujo governo assumiu em 1483, reivindicam um estatuto sem rótulos para esta personalidade enérgica que, até à sua morte em 1543, aqui desenvolveu os vários programas que impuseram a reforma disciplinar da Igreja e ergueram o território diocesano aos mais altos patamares da erudição e da exigência creditada pelo conhecimento do antigo. Ao longo dos sessenta anos de governo, o bispo muniu-se dos instrumentos capazes de uma acção eficaz e precisa nos domínios da espiritualidade controlada ou de uma plasticidade que desbravava, em Coimbra, os valores do Renascimento e de uma cultura sediada na Antiguidade. Em sintonia com os processos de visibilidade do poder e em rivalidade explícita com o poderoso mosteiro de Santa Cruz, a Sé demarcou-se dos circuitos de interioridade e construiu os sinais distintivos da autoridade sobre a comunidade dos fiéis. No exacto ano da morte do bispo, o mosteiro crúzio perdia de vez o anterior protagonismo e capacidade de pressão, coincidentes com a protecção régia que então se ausentava, extinto o priorado-mor e distribuídas as suas rendas entre a recém transferida Universidade e as novas dioceses de Leiria e Miranda do Douro. Clarificava-se, por um lado, o xadrêz político montado numa cidade tutelada pelos interesses movidos em torno da Universidade e das Ordens religiosas (que à sua volta se agrupavam) e, por outro, em estrita coordenação de esforços, uma Igreja organizada e disciplinada no rasto do legado transmitido por Jorge.
Filho de Lopo Almeida (terceiro neto do monarca Pedro I e dona Inês de Castro, primeiro conde de Abrantes e vedor da fazenda de Afonso V, alcaide-mor das vilas de Abrantes, Punhete (Constância) e Torres Vedras, senhor de Abrantes, Sardoal, Mação e Almendra) e dona Beatriz Silva (dos Silva de S. Marcos, Tentúgal, uma estrutura religiosa jerónima a partir do século XV), o bispo Jorge Almeida era irmão de João Almeida (segundo conde de Abrantes, guarda-mor João II e vedor da sua Fazenda), de Diogo Fernandes Almeida (sexto prior do Crato, monteiro-mor de João II, alcaide-mor de Torres Novas e a quem o rei João II confiou a educação a protecção dos interesses de seu filho ilegítimo Jorge), de Pedro Silva (comendador-mor da Ordem de Avis, enviado em 1492 em missão diplomática a Roma por João II), de Fernando Almeida (bispo de Ceuta desde 1493, núncio do papa Alexandre VI e com fortíssimas ligações à família Bórgia entre quem viria a morrer em 1499 ou 1500) ou de Francisco Almeida, primeiro vice-rei da Índia. Seus sobrinhos eram, por exemplo, o primeiro reitor da Universidade em Coimbra, Garcia Almeida; dona Leonor Vasconcelos, a abadessa do mosteiro de Celas; ou ainda dona Joana Noronha, casada com o 2º barão do Alvito, Diogo Lobo Silveira. Os laços familiares são, assim, o ponto de partida de todo um percurso que não se circunscreve à compreensão da natureza específica da trajectória do bispo mas esclarecem também sobre a entrega generalizada dos circuitos de elite às práticas reconhecidamente modernas da cultura do Renascimento.
Por esta via, não oferece hoje dúvida a estada do futuro bispo em território italiano. Ainda muito jovem frequentou os Estudos em Pisa e Perugia e teve uma longa permanência na Cúria Romana. Aqui se bateu pelos interesses do rei João II nas contendas relacionadas com a distribuição dos benefícios eclesiásticos (a propósito da nomeação do bispo de Silves) e aqui assumiu os riscos que também implicavam a escolha partidária pelas causas de um rei determinado no processo de centralização régia. A presença inequívoca de Jorge Almeida na Itália, pelo menos desde 1469, comprova-se por documentação vária: a 8 de Novembro deste ano, com 10 anos de idade, Sisto IV dirigia-se-lhe como, Georgio de Almeyda, clerico Egitaniensis diocesis; a 21 de Agosto de 1472, com 14 anos de idade, obtinha licença para ser promovido ao subdiaconato na Cúria Romana ou fora dela, quando atingisse os 16anos; a 28 de Setembro de 1472, Jorge Almeida pedia ao papa a confirmação dos canonicatos do Porto e de Évora, concedidos por motu proprio a 1 de Janeiro desse ano, na expectativa das prebendas; em Março de 1473, aos 15 anos de idade, estudava Direito na Universidade de Perugia, sendo-lhe concedida a igreja paroquial de S. João de Abrantes, de que era padroeiro seu pai, Lopo Almeida, e, ainda no mesmo ano, teria transitado para a Universidade de Pisa de onde escrevia a Lourenço de Medici, em cartas datadas de 20 de Dezembro de 1473 e 3 de Janeiro de 1474; a assiduidade desta correspondência estabelece-se a partir de outras cartas dirigidas ao Magnífico, em 18 de Janeiro de 1475 (informando-o ter começado a estudar direito civil e pedindo-lhe que conservasse no Estudo o doutor Paulo Pisa cujas lições desejava continuar a ouvir por mais dois anos, renovou o pedido em carta de 26 de Janeiro do mesmo ano), ou em 10 de Novembro de 1478 onde, ainda de Pisa, lhe fazia novo pedido no sentido de conservar no Estudo Bartolomeu Prato Vecchio com quem queria estudar eloquência; a 19 de Janeiro de 1474 pedia ao papa o canonicato e respectiva prebenda de Coimbra, vacantes por morte de Luís Esteves, mantendo ainda no ano seguinte uma contenda sobre o assunto; em 1474 entrava em litígio respeitante ao canonicato e prebenda de Lisboa, na Cúria Romana, com Pedro Gonçalves e João Garcia, que haveria de manter-se pelo menos até 1477; a 26 de Dezembro de 1474 solicitava ao papa o arcediagado de Fonte Arcada, do qual viria a resignar mais tarde; a 21 de Dezembro de 1480, em documento que se refere a Jorge Almeida como embaixador do rei, o papa concede-lhe a igreja paroquial de Sarzedas e, a 21 de Janeiro de 1481, a igreja paroquial de S.Julião de Punhete, Constância; mantém a qualidade de embaixador do rei junto do papa, em súplica de 29 de Janeiro de 1482, onde se menciona a possibilidade de ser promovido a uma igreja catedral e é referido como Georgius dAlmeyda, canonicus Ulixbonensis, V. S. et sedis apostolice prothonotarius ac illustrissimi regis Portugalie orator…» In Maria de Lurdes Craveiro, Academia Edu, Investigação, Faculdade de Letras da U. de Coimbra, 2002.

Cortesia da Ucoimbra/JDACT