quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal. O Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «... tem a cargo receber e gastar os dinheiros e outras coisas da manutenção das infantas dona Catarina e dona Joana, minhas muito apreciadas e amadas irmãs, e das pessoas que as serviram durante os anos 1447 e 1448»

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Uma carta escrita pela minha mão
«(…) Tanto assim, que esses cortesãos não tiveram dúvidas em atacar o lado mais vulnerável do infante Pedro: a reputação da sua filha, a rainha consorte dona Isabel Lencastre. Os inimigos do antigo regente tentaram inicialmente convencer o rei a separar-se da esposa. Como Afonso não estava de acordo, alguns dos membros que o rodeavam começaram a insinuar que as suas relações com dona Isabel tinham um carácter de concubinato, fruto de união não legítima, porque estava obrigada pelo seu sogro. Mas o rei, que não sentia nenhum rancor em relação à jovem esposa, a viva imagem da delicadeza, não deu importância. De maneira que, por fim, acabou por se acusar a rainha de adultério com o mordomo-mor do rei, Álvaro Castro, mais tarde conde de Monsanto e pai de uma donzela da rainha dona Joana. Algo que, desta vez, abalou o inseguro orgulho masculino do rei adolescente, que acabou por ordenar a prisão do mordomo. Dona Joana não podia ignorar este acontecimento, uma vez que a família do acusado vivia numa residência situada a pouca distância do palácio de São Bartolomeu e também porque o detido era sobrinho da condessa Guiomar Castro, aia da sua irmã, a infanta Leonor. O anonimato das fontes a respeito de que membros da cúria de Afonso V participaram nessa intriga cortesã não permite saber o grau de implicação de Gabriel Lourenço, antigo capelão-mor da rainha dona Leonor de Portugal, que tinha regressado ao reino em 1445 e que nessa altura prestava serviço no palácio.
O certo é que nem todos os antigos servidores dessa rainha tinham tido a sorte de regressar a Portugal tão cedo como o seu capelão-mor. Na realidade, a 1de Março de 1449, o rei Alfonso V de Aragão assinou em Nápoles uma carta dirigida ao papa Nicolau V para lhe recomendar frei Pedro Góis pelos serviços que lhe tem prestado e ainda pelos que dispensou a sua irma a rainha dona Leonor, o qual vai tratar de assuntos da própia consciéncia. É muito provável que a viagem a Roma desse monge cavaleiro que até então tinha estado ao serviço do rei aragonês, graças a uma recomendação da infanta Joana, tivesse que ver com a legitimação dos filhos tidos com uma donzela da falecida dona Leonor. Também se sabe com certeza que, nessa mesma altura, Alonso Pimentel, o honrado conde amigo, se encontrou no palácio das Alcáçovas de Lisboa com Afonso V, talvez com a intenção de transmitir alguma mensagem da parte do marquês de Villena, graças ao qual o conde pudera fugir da prisão na qual o encerrara o rei de Castela. Mas não há notícia de que o conde de Benavente tivesse visitado o palácio de São Bartolomeu e, portanto, essa infanta que estava prestes a fazer dez anos e que conhecera na boda da sua irmã, dona Beatriz Pimentel, com o infante Enrique de Aragão, o que fazia do conde uma espécie de tio político de dona Joana. Curiosamente, apenas um mês depois de o rei ter mandado o seu secretário Rui Galvão redigir o salvo-conduto com o qual Pimentel pudera entrar em Portugal, esse antigo secretário do rei Duarte I, e mais tarde da sua esposa, viu-se confirmada por parte do rei Afonso uma carta na qual se especifica o seguinte: ... tem a cargo receber e gastar os dinheiros e outras coisas da manutenção das infantas dona Catarina e dona Joana, minhas muito apreciadas e amadas irmãs, e das pessoas que as serviram durante os anos 1447 e 1448.
Ficamos a saber por este documento que os fundos para financiar as despesas dessas duas crianças eram provenientes dos impostos que na alfândega de Lisboa pagavam os tecidos provenientes da cidade de Bristol, tal como se precisava nos recibos passados por dona Maria Nogueira, aia das ditas senhoras infantas. Nestes documentos indicava-se, além disso, que ambas eram assistidas por uma irmã de Maria, dona Violante Nogueira. Duas mulheres que, talvez graças às irmãs do rei, se livrariam de cair em desgraça, como a que, havia algum tempo, começara a cair sobre alguns dos seus parentes, antigos aliados do ex-regente. Sobretudo, Álvaro Vaz Almada, conde de Avranches, antigo alcaide de Lisboa, primo-direito de dona Maria e dona Violante e único português não pertencente à família real que obtivera em Inglaterra a prestigiosa Ordem da Jarreteira. Um fiel cavaleiro (do infante Pedro) cujo corpo, no entanto, seria decapitado e estendido toda uma noite à intempérie, nos campos de Alfarrobeira, à mercê dos animais, depois de ter morrido numa batalha travada ao lado do seu grande protector, a 29 de Maio de 1449, contra as tropas de Afonso V de Portugal. A vingança, testemunhada pela infanta, levara o seu tempo mas o resultado fora contundente». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da EdosLivros/JDACT