domingo, 22 de novembro de 2015

Ciência e Experiência. Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel. Moura Barbosa. «… não há por que atormentar-se, buscando respostas a essas representações inúteis e modos de falar sobre o conhecer, como instrumento para apoderar-se do absoluto…»

Cortesia de wikipedia

«(…) A teoria do conhecimento é a marca da modernidade e das suas alterações decorrentes no pensamento, que agora deve tematizar não uma substância no sentido cosmológico, mas a relação cindida entre a subjectividade e a natureza, sendo uma externa à outra. Essa relação é constituída de forma representativa, na qual o conhecimento seria a representação de algo fora do pensamento, o que marcaria uma independência do pensar frente ao objecto, mais do que isto uma reelaboração do mesmo objecto pela mediação da subjectividade, que agora é activa no processo cognoscitivo. Nesse processo, o entendimento exerce uma função abstractiva essencial, em que a realidade é representada em seu cerne. Para Hegel, essa forma abstracta do entendimento é o que se objectivou na modernidade, e com ela uma mediação subjectiva que não abarca a realidade que pretende conhecer. Assim, o conhecer seria um meio que se interpõe entre o saber subjectivo de algo e a realidade objectiva desse algo, estabelecendo, então, uma separação entre o pensar e o real, como se o próprio conhecimento se constituísse num instrumento para o conhecer ou o meio pelo qual conhecemos. Tanto em sua forma activa quanto na sua forma passiva, a representação cinde a realidade entre o conhecido (subjectivo, para-si) e o desconhecido (objectivo, em-si). Poderíamos dizer que o Absoluto cindiu-se de si mesmo. Assim, em tal operação de mediação subjectiva da representação, segundo Hegel: não há por que atormentar-se, buscando respostas a essas representações inúteis e modos de falar sobre o conhecer, como instrumento para apoderar-se do absoluto, ou como meio através do qual divisamos a verdade etc. São relações em que vêm a dar, com certeza, todas essas representações de um absoluto separado do conhecer, ou de um conhecer separado do absoluto.
Toda a crítica da teoria do conhecimento, que Hegel efectua na introdução da Fenomenologia do espírito, tem como alvo essencial não só atingir a posição moderna de forma universal, porém, particularmente, as posições de Kant e do cripticismo (seus sucessores: Fichte, Reinhold e outros) como filosofias reflexivas da consciência. A filosofia kantiana, nas suas linhas gerais, pode ser posta no ápice da posição moderna, e marca a chegada da epistemologia ao seu ponto culminante, o que para Kant significava uma reestruturação de toda forma de compreensão do conhecimento humano, que ele mesmo denominou de revolução copernicana do pensar. O conhecimento da metafísica deve encontrar os seus limites, da mesma forma como as ciências naturais, e, antes dessas, a matemática e a lógica encontraram os seus, podendo, assim, descansar num porto seguro. Nisso mostra-se o ponto fundamental da filosofia kantiana: a metafísica clássica, que tinha como parâmetro o ente, ontologicamente definido, só conseguia tactear no escuro, não se constituindo e nem ao menos se desenvolvendo como as ciências naturais.
O problema do conhecimento que surge da pergunta pela natureza e possibilidade do conhecimento se depara-se na modernidade com duas grandes correntes, que de uma forma ou de outra almejavam resolvê-lo. De um lado, havia os racionalistas, para quem o conhecimento deriva de ideias inatas, anteriores à experiência. De outro lado, os empiristas, que afirmavam que o conhecimento era adquirido pela experiência. Em meio a essa querela, Kant tenta, na sua teoria da experiência, articular esses dois níveis do conhecimento, na sua denominada filosofia crítica. O conceito de crítica aqui é, então, de forma bem-determinada, a busca por critérios para fundamentar a possibilidade, a capacidade, o limite do conhecimento, o qual não poderia se dar de forma dogmatista, que seria a utilização da inteligência e dos conceitos antes de se perguntar pela capacidade de conhecermos os objectos em si mesmos. Essa luta contra o dogmatismo foi essencialmente influenciada pelo encontro de Kant com as obras de Hume, a quem deve, como afirma o próprio Kant, o seu despertar do sonho dogmático. A ressalva fundamental que Kant faz a Hume é ter, com a sua crítica ao conceito metafísico de causa e efeito, também criticado o saber real das ciências naturais e, com isto, relegou toda forma de conhecimento ao hábito». In Alexandre Moura Barbosa, Ciência e Experiência, Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel, Editora Universitária, Edipucrs, Porto Alegre, 2010, ISBN 978-85-7430-970-5.

Cortesia de EUniversitária/JDACT